1. Para começar, conta um pouco sobre o livro Erotiscências & embustes.
Este é meu primeiro livro de poesia, foi publicado com esmero pela Editora Urutau e lançado no princípio deste mês de agosto. É um livro bonito e descomplicado, de leitura agradável, são 76 páginas com 37 poemas, prefácio do poeta Félix Alberto Lima e edição do poeta Tiago Fabris Rendelli. A capa, do designer Wladimir Vaz, também é ousada como os textos — sofreu censura mais de uma vez nas redes sociais. Gosto de dizer que são poemas eróticos/irônicos, e esta mistura de um erotismo um tanto esquisito com um humor meio sarcástico, zombeteiro, é uma das características de minha escrita que já aparece em meus livros anteriores, os dois de contos: Estranhas criaturas noturnas (2013) e Como não aprender a nadar (2016).
2. Como costuma ser seu processo de criação?
Sou um bom ouvinte, mais que isso sou uma “esponja”, absorvo as histórias que me contam, trechos de conversas que escuto no metrô, na fila do banco, em restaurantes, até em velórios. Anoto tudo, em cadernos, pequenos pedaços de papel ou no celular: detalhes dessas conversas, as ideias que surgem “do nada”, fatias de sonhos. E sou um leitor compulsivo, desde criança. Este material um dia aflora: uma frase, um parágrafo, uma situação ou um personagem que nasce já lutando por seu espaço — e com isso a escrita flui. Em geral escrevo de um jato, fragmentos que depois reviso e reviso até a exaustão, combino com outros textos ou simplesmente guardo em pastas em meu computador onde dormem até a hora de virem à luz.
3. E como foi o processo de criação com Erotiscências & embustes?
Escrevo poesia desde adolescente, mas só comecei a me ver como escritor já na maturidade, quando fui para a prosa, os contos, que me trouxeram o reconhecimento de algumas premiações. Sou também artista visual, e utilizo muito a palavra, em especial a palavra poética, em meu trabalho de arte — vídeos, instalações, performances e pinturas nos quais “a palavra é trama e urdidura”. Em 2015 passei por um incêndio em meu apartamento, que destruiu muita coisa, inclusive meus cadernos antigos de poesia — que raramente eu tinha mostrado ou utilizado em algo que não meus vídeos e performances. A perda me jogou no desejo de recuperar o possível daqueles textos, buscá-los nas minhas memórias, reescrevê-los, preservá-los, e, um dia, entregá-los aos leitores.
Este desejo só se transformou em um projeto a partir uma palavra que me veio em um sonho, justamente as “erotiscências” que, para minha surpresa, não encontrei nos dicionários. Foi o mote que me fez escrever poemas, usando reminiscências eróticas ou fatos da atualidade (há dois pequenos poemas que subvertem declarações de ministros). E os “embustes” para mim significam a própria condição do artista, do escritor, lidando com a ficção, tornando-a real para os leitores e ao mesmo tempo deixando claro que tudo é um jogo; este embate constante do artista entre a forma e o conteúdo (“os ardis que faço/para esquartejar a última flor do Lácio”) e também como o artista, para se fazer ouvir, tem que driblar preconceitos, censura e todo o tipo de restrições e perseguições.
Tive um cuidado — já que costurei textos criados em épocas diferentes, de temáticas diversas e formas muito variadas, para que o livro não fosse uma colcha de retalhos — e creio que ele ficou multifacetado porém alcançou uma unidade.
Finalmente, quis fugir do padrão do texto erótico-pornô, dos estereótipos sofisticação/escatologia, da mitificação e objetificação dos protagonistas e das experiências. Meu erotismo é “natural”, quase prosaico, mesmo quando é “estranho” ou quando leva a tragédias.
4. Já tem um novo projeto em mente? Qual é? Ou costuma dar um intervalo na escrita entre um livro e outro?
Nunca faço esses intervalos, estou sempre com projetos, tanto de escrita como de artes visuais, o tempo todo trabalhando em mais de um projeto ao mesmo tempo. Acabei de fechar outro livro de poesia e estou fechando mais um livro de contos. Nas minhas “gavetas” (as pastas de meu computador) o tempo todo olham para mim: contos, poesias, textos com forma ainda indefinida, esqueletos de romances às vezes com pouca carne, às vezes com excesso de gordura e um projeto ambicioso de metalinguagem. E em artes visuais estou trabalhando em pinturas sobre os Sonetos de Shakespeare, fazem parte de uma série de escritas “através do espelho” que desenvolvo desde 2016 e já mostrei em alguns espaços institucionais no Rio.
5. O que você diria para quem está começando a escrever? Por que você começou a escrever?
Sempre escrevi, acho que em decorrência de minha paixão pela leitura. Eu era aquele aluno chato que sempre tirava 10 nas redações no colégio — mas precisei de muito tempo até ter a coragem para expor minha escrita, inicialmente em blogs, até chegar na palavra impressa. Hoje, escrever é tão vital para mim como acordar pela manhã, me alimentar, amar, uma atividade que faz com que eu me sinta vivo e no mundo.
Para quem está começando a escrever, eu diria: 1) “leia, leia muito”; 2) “escreva, escreva muito”; 3) “revise, corte e reescreva”. Acho que é por aí.
Jozias Benedicto é escritor e artista visual nascido em São Luís, vive e trabalha no Rio de Janeiro. Pós-graduado em Literatura, Arte e Pensamento Contemporâneo pela PUC-RJ. Publicou os livros de contos Estranhas criaturas noturnas (2013, finalista do Prêmio Sesc de Literatura) e Como não aprender a nadar (2016, Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura). Em 2018 recebeu premiações pelos livros de contos ainda inéditos Um livro quase vermelho (Fundação Cultural do Pará) e Aqui até o céu escreve ficção (Governo do Estado do Maranhão). Teve contos publicados nas antologias Sábado na Estação (2012, organizada por Luiz Ruffato) e Contágios (2016, organizada por José Castello). Em artes visuais, entre outras mostras, participou da XVI Bienal de São Paulo. Erotiscências & embustes é seu primeiro livro de poesia.
Quatro poemas do livro Erotiscências & embustes (Editora Urutau, 2019), de Jozias Benedicto, saíram na revista gueto no dia 3 de agosto, você pode ler aqui: [link]