à espreita
nada em mim é pouco
nada chega devagar
nada segreda silêncios
em tudo sou vontade
devoradora de todos os sossegos
o que me devassa as noites
é o que sangra os ouvidos
é o que infinda os sentidos
:
ao longe um lobo uiva.
ancestral
aguentar
meus poemas batidos
a pregmo e fogo
minhas obras cunhadas
em moedas falsas
meus traços riscados
em tinta d’água
fica mais fácil
quando a poesia
me pega pela palavra
e me mostra o reflexo
do que corre em minhas veias.
à janela do quarto de dormir
devorando vazios
esqueço-me
numa espera inexistente
lá fora
a madrugada geme
a solidão da rua
nada há
além do silêncio
que se instalou na memória
alguns dias
não foram feitos para nascer.
fragilidades do outono
eu andava pelas ruas esquecida dos pés
a fome abria em mim suas bocas sem-fim
querendo o que o amor jamais preencheria
eu andava comida e bebida nas entranhas
dia após dia sentindo sem ver
a música despudorada do idílio das rolinhas
eu andava sangrando sangrando carências
que disfarçava em crenças duras e retumbantes
até tropeçar na exuberância de setembro
então me enxerguei
:
tinha a lírica que calaria todas as bocas
um jardim de miragens para driblar inseguranças
mas não sabia plantar primavera em minhas fomes.
movimento vital
manchar a página
com o sangue das palavras
que nascem nuas
rasgar o peito
como pelicano
a alimentar rebentos
depois
aspirar profundamente
o que sobra de vida
:
escrever é um ato de rebeldia
| poemas do livro Equilibrista (Editora Penalux, 2016). |
Lourença Lou às vezes é prosa, outras poesia, sempre encantada com quem faz literatura. Formada em Letras pela UFMG, pós-graduada em administração escolar, continua sendo aprendiz de viver. Faz parte de várias coletâneas de poesia, crônicas e contos, e várias vezes foi publicada no Livro da Tribo. Pela Editora Penalux publicou Equilibrista (2016), Pontiaguda (2017), Náufraga (2018), todos de poesia. Ainda este ano publicará O lado oculto do amor e outros contos.