do que sei sobre antifascismo, poema de Priscilla Campos

(poema escrito no Recife, em setembro de 2018, dias antes do primeiro turno das eleições)

na minha terra dizem que fascista não ganha
porque a gente sabe com exatidão onde
dói o abismo são linhas de conhecimento
muito duras e tantos anos entra a água
e a seca absoluta nos ensinaram a valorizar
a força de um não diante da ameaça mais
perigosa e medonha possível

diante do horror um pé vai na água
e o outro no inferno a gente se sustenta
no balanço dos que conseguem pisar
ligeiro no mangue mesmo quando tudo
indica que afundar será a próxima cena
na sequência dos dias desta primavera

aqui também me contam que o desejo é tão forte
quanto a nossa imagem no espelho
um corpo para o qual o tempo passa depressa
e o outro onde ainda se encontram novas marcas
você me pergunta sobre as três feridas
e eu respondo não faço a menor ideia de onde
elas surgiram porque sinto que a minha memória
apaga
todas as formas de voltar para casa
todas as formas de arranhar com carinho

não importa se faz muito calor ao meio-dia
na rua do hospício
ou se você me diz que nós podemos ter
intervalos no tempo
da madrugada aberta

quando eu defendo meu corpo
também defendo o meu território
e aqui sem nenhum amparo sozinha
mesmo que você repita não durma
eu entendo por que a minha terra
sempre será a palavra de ordem
contra tantas forem as chances
de invasão.

Priscilla Campos nasceu no Recife. É jornalista, crítica literária, poeta e doutoranda no Programa de Pós-graduação em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana da USP. Publicou o ensaio Nenhum muro à altura do peito (Macondo, 2019) e a plaquete O gesto (Nosotros, Editorial, 2019, edição bilíngue).