três poemas de Clarissa Macedo

outlet

Os sonhos em promoção:
o mundo à venda
mas nada se realiza.
Só este vazio com desconto
preenche de gordura a mercadoria.

noturno n. 4

À noite,
No descanso das injustiças e das fraquezas,
Eles decretam no palácio a tua próxima fome.

Quando amanhece, o sol não nos fala
Nele, uma cortina de 100 dólares ponta de estoque

Em nós, o medo e o mito do silêncio.

Bronze o dia as aflições pelo trabalho e pelo sono

E quando enfim madruga e a jornada de tantas horas parece que chega ao fim
Eles dizem que haverá mais

Que haverá mais porque é preciso cansaço para os nossos olhos
É preciso sangue
Para que não se possa meditar

Para que sigamos
Máquina aos moinhos
A moer tudo aquilo que somos, tudo aquilo que não podemos ser.

electron global ltda.

a mídia é uma era
e em poucos minutos
estaremos mais surdas/os,
mais cegas/os das luzes
das telas e flashs
com moças de biquíni
a promessa do melhor sexo
da juventude eterna
o melhor ângulo
a melhor mentira da miséria
contada aos turistas

e em poucas horas
seremos mais mudas/os
congeladas/os pra sempre
no sonho do grande remédio
que salvará os tempos
que enganará a morte

tudo isto por apenas:
R$ milhões de vidas,90!
ou em todas as prestações
do seu cartão de crédito —
cifra que nunca paga
o delírio de ser consumo
de não ser você

ah…
se pudesse compraria o mundo
e faria uma grande selfie sideral
do que sobrou daquilo
do que um dia conhecemos
por terra, um éden machucado
ferido de grifes e passarelas
do que ninguém comeu, bebeu,
viajou, teve, fudeu, gozou, amou,
sentiu, viveu, morreu
do que ninguém é (mas quer)
e que nunca será

Clarissa Macedo (Salvador-BA), doutora em Literatura e Cultura, é escritora, revisora, professora e pesquisadora. Apresenta-se em eventos pelo Brasil e exterior. Integra coletâneas, revistas, blogs e sites. Publicou a plaquete O trem vermelho que partiu das cinzas (Pedra Palavra, 2014) e o livro Na pata do cavalo há sete abismos (Prêmio Nacional da Academia de Letras da Bahia, 2014; em 2ª edição pela Editora Penalux, 2017; e traduzido ao espanhol por Verónica Aranda, Editorial Polibea, 2017). Integrou, em 2018, o Circuito de Escritores pelo Arte da Palavra, promovido pelo SESC. Lançará este ano o livro O nome do mapa e outros mitos de um tempo chamado aflição (poesia). Site: [link] Contato: clarissamonforte@gmail.com