a mudança
a casa era nova
o cheiro cheio de verniz
cheirava a vazio de memória
uma única pedra, quebrada
contornava o fogão a lenha
teria sido o calor?
ao primeiro sinal de vida
se quebrou,
repare.
os banheiros excedem os quartos
em número e intenções
o gesso o verniz
a tinta o batente
a pingadeira as portas
batem ao primeiro vento
as janelas ensaiam a chuva
a terra agora se molha
sob a tutela dos novos vizinhos
as telhas perdem a virgindade
enquanto, à noite,
os ruídos de amor acontecem uníssonos
aos estalos de madeira
em um ninho estranho
até o momento
cinco banheiros desistem
de ser limpos
três quartos esperam
sonos profundos
a casa
aguarda
a alma
o desabrochar
até o flamboyant floresceu
antes de você
disse enquanto espreguiçava
o comprido das árvores
a picada
há cerca de uma hora
vi uma picada na mata:
um pequeno ajuste
para conter árvores
perigosamente próximas
foi então que me lembrei
do último momento
em que você esteve presente:
a quatro passos de distância
aproximadamente segura
a notícia
uma fração de segundos
ela disse,
tudo acontece nesse trecho
miserável de tempo
continuou andando
cinco passos se ele de fato
havia morrido
tem certeza? ela disse
segure forte a minha mão
os dedos suados, o quadro,
mãe, você está me apertando
a essa altura o corpo já se derreteu
olha lá olha lá
não viemos comprar nada, querida
por que não me contou antes?
que diferença faria?
câncer, você disse?
talvez tenha sido o silêncio
os sonhos não vividos?
as palavras não ditas
solta, mãe
um homem vestido de caveira
com suas caveiretes
dança macarena
na feira hippie
a estática
2 corpos imóveis,
frente a frente,
36 graus e subindo
desça, por favor,
disse num ímpeto
de fricção
encostou uma das mãos
no lado esquerdo
do seu peito
você mora na minha garganta,
disse,
o tempo está seco
as moléculas, histéricas
desça daí
me toque
aqui
onde é úmido:
apertou a palma
contra as cortinas do coração;
com a mão que sobrava
manobrou suavemente
acima da testa
dos cabelos
num desejo espiritual
de desajustar miolos
eficientes
sentiu a densidade
descer pelos dedos
massageou as pontas
em movimentos circulares
levantou o olhar.
perceba, disse
mostrando-lhe os dedos:
ainda estalam
ainda são resultado
da nossa estática
Carol Sanches nasceu em Campinas em 5 de agosto de 1981. Tem poemas publicados em revistas digitais e é autora dos livros independentes Poesias pormenores (2008) e Toda diva tem divã (2009). Seu livro mais recente, Não me espere para jantar, com lançamento previsto pela Editora Patuá em 2019, recebeu menção honrosa no Prêmio Maraã de Poesia 2018. Os poemas aqui publicados fazem parte de uma série inédita da autora sobre cotidianos escondidos.