Toda noite ela executava o mesmo ritual. Depois do banho demorado, em que cuidadosamente lavava todo o corpo com sabonete de camomila, vestia a calcinha de renda, a meia-calça preta, já gasta de tanto tirar e colocar, o vestido vermelho e, por fim, o salto alto. Só então se sentava na penteadeira improvisada, ao mesmo tempo em que envolvia os cabelos ainda molhados com uma toalha. Diante do grande espelho trincado — repartira-se em vários pequenos pedaços, onde podia ver muitas imagens de si mesma: puta, mulher, mãe — passava o batom carmesim, o delineador para os olhos e a base para disfarçar o rosto vincado, especialmente ao redor da boca e perto dos olhos. Fora um dos presentes que um antigo cliente havia lhe deixado. O outro, dormia todo esparramado em sua cama, a qual exalava um reconfortante cheiro de lavanda.
Já de pé, secava os cabelos e em seguida passava a escová-los vigorosamente, com a ajuda de um creme. O perfume era estrategicamente borrifado atrás das orelhas, no pescoço e nos pulsos. Quando jovem, aprendera com as mais experientes que não devia nunca colocar perfume nas virilhas e muito menos nos seios e na bunda, “Ou você acha que algum homem vai gostar de lamber perfume, menina? Homem gosta é do gosto de mulher. Tem até um cliente meu que pede pra que eu não lave minhas partes. Diz que o sabonete tira o cheiro da buceta”.
Ao terminar de se aprontar, ela se olhava uma última vez no espelho, a ver se não havia esquecido de nenhum detalhe. Então, descobria novamente em si a beleza fugida, o rosto da jovem que costumava dar nome às estrelas nas noites solitárias dos primeiros dias. Antes de apagar a luz, pegava a bolsinha que deixava sempre pronta em cima da cômoda, a qual continha os artigos de primeira necessidade para toda mulher da vida que se preze: um canivete sempre afiado, preservativos, cigarro e dinheiro para alguma emergência.
O último e mais importante ato do ritual diário, meticulosamente cumprido, era o beijo que dava na testa do filho. Por vezes, lhe doía tanto ter de deixar seu pequeno tão só e indefeso, inocente como só as crianças podiam ser, que pensava em não sair de casa nunca mais, em ficar deitada a seu lado guardando-lhe o sono, protegendo-lhe do mundo que sabia por experiência ser mau e cheio de surpresas trágicas.
Porém, algo mais forte que seu instinto materno reclamava sua presença nas esquinas desertas da cidade escura. Se quisesse, poderia ter outra vida. Por várias vezes havia recebido promessa de casa e até de colégio bom para o filho. No entanto, recusava-as todas, sem vacilar, porque sua independência era preciosa demais, algo de que não conseguiria abrir mão. Apesar do amor que sentia pelo menino, achava que ele deveria viver a vida que ela podia lhe dar, com o trabalho que havia escolhido para si. Não que se tratasse de uma escolha consciente, arquitetada. Apenas deixara-se levar pelas forças estranhas que dirigiam os destinos de todos nós.
Essa sabedoria a fazia diferente das demais, que ansiavam pelo dia em que alguém finalmente viesse resgatá-las daquela situação. Por não suportarem a barra, afogavam a própria dor como podiam, e, no processo, iam perdendo a juventude, a vida e, principalmente, o dinheiro. Tinha muita pena dessas meninas que se sentiam sujas e marcadas pelo trabalho. A elas dava conselhos, embora soubesse que seus caminhos já estavam traçados.
Tomava o cuidado de sempre fechar a porta com duas voltas completas, e só então ganhava as ruas, com o olhar atento, a cabeça erguida e o passo firme, sem dar ouvidos aos elogios grosseiros que jogavam em sua direção ao passar pelos bares repletos de bêbados. Deixava para sair de casa um pouco mais tarde que as outras, pois, já tendo adquirido certo prestígio e respeito, não precisava mais tomar posição na selvagem luta por espaço, que ficava por conta das mais jovens. Costumava ficar na esquina de uma rua próxima à antiga ponte, hoje quase esquecida, de onde, quando adolescente, costumava ver o sol magnífico se pôr atrás da linha do horizonte, enquanto a lua esperava sua hora de chegar.
O vento fresco que soprava do oceano a fazia serenar, tornando-a, ainda que por alguns instantes, esquecida de si mesma. Desaparecia na própria brisa, passando a fazer parte dela, sublimando-se lentamente em pequenas gotículas de água a envolver todas as coisas. Tais momentos só eram interrompidos pelos carros que se aproximavam convidativos. Insinuava-se a eles de modo inocente, sabendo que isso a tornava mais desejável. Num sussurro, como se o pudor lhe tornasse difícil a voz, anunciava seu preço. A maioria aceitava sem reclamar. Dali, deixava-se levar para aonde quer que fosse. A única exigência que fazia era a de que, ao final, a devolvessem para o mesmo lugar. Nas noites movimentadas, chegava a perder a conta de quantos homens atendia. Embora, nessas ocasiões, o dinheiro corresse mais solto, preferia as noites calmas e os clientes menos apressados.
Por volta das cinco da manhã, quando a noite já agonizava, caminhava lentamente para casa com os sapatos nas mãos e o coração tranquilo. Quase sempre trazia uma canção nos lábios. “Sempre que o amor fecha uma porta, ele abre uma janela, emoção que entra por ela, pode ser até mais bela, pode ser até mais doce”. Só então voltava a se lembrar do pequeno que a essa hora já devia estar perto de despertar.
Ao abrir a porta, desfazendo as duas voltas da chave, abria um sorriso enternecido ao encontrar o filho ainda deitado. Custava-lhe controlar a vontade que tinha de cobrir-lhe com seus beijos quentes de amor, mas não se atrevia a tocar-lhe antes do banho. Colocava a bolsinha de volta na cômoda, e ainda em pé ia tirando o vestido, a meia-calça preta, já gasta de tanto tirar e colocar, a calcinha de renda. Diante do grande espelho trincado — repartira-se em vários pequenos pedaços, onde podia ver muitas imagens de si mesma: mãe, mulher, puta — tirava o batom carmesim, o delineador para os olhos e a base para disfarçar o rosto vincado, especialmente ao redor da boca e perto dos olhos.
Ao retirar a maquiagem, sentia os anos retornarem numa velocidade estonteante. O rosto coberto de volúpia, os lábios entreabertos, o olhar malicioso davam lugar a um semblante plácido e ao mesmo tempo grave, maternal. No chuveiro, deixava a água massagear o corpo cansado da noite não dormida, sentindo-se purificada.
Acordava o filho para ir à escola com pequenas cócegas nos pés. “Vá pro chuveiro e tome um banho bem gostoso, que a mamãe quer ver você cheiroso, viu?”. Enquanto ele se lavava, ela punha, entre bocejos, a mesinha do café só para os dois.
Leonardo Araújo é cearense, psicanalista e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará. Escreve contos.