o recado do morro
O luar estava muito branco
um pedacinho de mata aparecia longe
dava para separar as flores azuis dos pau-terra
a vista era cansada
tinha lido muita coisa nessa vida
e nessa hora atalhava
ouvia tudo
o recado
se chove se faz sol
o morro fala
a cerração confirma
o gado espera
o tempo é quem faz tocaia
e sorrateiro avisa
A história é a mesma, embora já seja outra
sertão
este friso
entre
água e rio
morro, casa, curva
Este chão sempre de mim partindo
mulher na roca
Se o sol batesse nela
a essa hora do dia
teríamos a imagem de um jarro
as mãos em cálice amparando
o som os fios
olhando mais de perto, sentiríamos vivos
a casa, os móveis
as folhas de carvalho
onde vivem a neta, os filhos
falaríamos de coisas complicadas e outras elementares
de certo, eu acharia tudo doído
mas ela diria: é o ciclo
estiagem
Ela traz um rio no corpo
e o rio dentro dela
só quer ser mais fundo
retorno
Ontem foi a última vez
que seus olhos viram
isso que chamamos de vida
ela sorria, a pele cheirando a terra
o sol se demorando nela
a voz cheia de horizontes anunciava:
— a vida te prepara pra partir
Adri Aleixo é poeta, professora e mestranda pelo CEFET-MG em Literatura feminina. Participa das antologias Escriptonita, 30 anos do Psiu Poético, Contemporâneas, Planner 2018 e Poesia de Ouro. Tem textos publicados em sites e revistas como Suplemento Literário de Minas Gerais, Caderno Pensar do Jornal Estado de Minas, Zona da Palavra, Incomunidade, Jornal Rascunho, entre outros. Publicou dois livros de poesia pela Editora Patuá: Des.caminhos (2014) e Pés (2016) e a Plaquete Impublicáveis em 2017. Integrou, no ano de 2018, o Circuito Arte da Palavra pelo Sesc Nacional. Em 2019, lançará pela Editora Ramalhete o livro Das muitas formas de dizer o tempo.