pole walk in planche
“[…] And you think love is to pray
But I’m sorry I don’t pray that way […]”
(In: The Golden age of grotesque, Marilyn Manson, 2003)
com Anastasia Sokolova
há registro de uma foto de um caso
semifamoso ou nada
de um sanatório em massachussetts
mil novecentos e vinte e oito
uma foto de seis mulheres
flutuando
contra uma parede
as seis bruxas irmãs uma das traduções
que encontrei pelos sítios de busca
pra six sister witches ou levitating portuguese witch sisters
e não na foto e nem nos sites
mas aqui quase era e é ainda audível elas
sussurrando
pro acabamento descascado da parede coisas como
erigir um muro de sentenças pra o depois derrubá-lo
produzir o que é importante no aço dos lábios
mas e a questão da foto ser uma fraude
nada
já era impossível não
enxergá-las como deusas
as deidades que tomam conta
das artes da gravidade anjos
da totalidade
sete
: nós queremos o fim imediato da brutalidade policial
e dos assassinatos de pessoas negras.
coloca pra passar aí alguma miséria
faz dela uma prenda
um objeto de estudo
um alívio cômico dentro do horário
nobre um linchamento desnecessário com fins lucrativos
e cada um encena um suspiro de gala enquanto só assiste
enquanto no enterro de mais
uma irmã de mais um irmão uma voz
segurando na oitava da outra canta
o fruto estranho a carne
mais barata do mercado é a carne negra
ah mas como é que faz pra ter vontade
pra agir
mas quem mesmo o monstro
que te crava nas costas os dentes e você
é quem sente o gosto
calçar os sapatos do outro nada disso funciona nem
basta
você imaginar numa barca de gente comercializada
tua boca pra sempre no grupo
das bocas em semi alegria forçada pra despistar açoite
nem basta você imaginar um capuz
branco enforcando pra sempre a tua pele
ao lado de uma cruz em chamas
nem basta você imaginar um capitão do mato
te usando pra sempre
de cobaia em exemplos de estrangulamentos
gratuitamente e com abuso desde as fazendas
até as filas dos caixas
nem
basta você imaginar um coturno
tático pisando seu rosto humano pra sempre
e você mesmo ao lado pra sempre um verme
passeando na calçada sua isenção ou elegância
ah mas pra mudar essas coisas leva tempo
é o que diz o branco
apresentador do programa vespertino
há uns quatrocentos anos mais ou menos
ao infinito e além
para L. L.
em meados dos anos noventa um grupo
de excelentes cineastas como hoje o sabemos
lançava toy story pela disney pixar e com um intervalo
de quatro anos era lançada a sequência da animação
no mesmo passo de tempo eu descobria antes mesmo
de usarem as palavras que hoje usam pra isso
meu primeiro amor
no mesmo passo de tempo eu passava pelo fundamental dois
e aprendia também com uma enchente
que arrastara todos os muros possíveis
do que eu chamava casa que arrastara
todos meus pertences que então eram uns gibis e uns brinquedos
aprendia sobre abandono e sobre acolhimento
aprendia podemos dizer
sobre o que pode carregar os bracinhos de um brinquedo
que não é só fobia e trauma que nos incitam os inanimados
aprendia uns usos específicos de algumas palavras
bom falarmos disso
assim damos jeito de incluir aqui algo sobre as linguagens
e evitamos situações de equívoco das leituras
como aquela onde ninguém que dissesse-nos
que de cada vez que se pronuncia
vida
é pouco ou nada provável que tenhamos
vida entre os lábios
é raro
aprendia o peso de alguém escrever o nome
na sola de nosso pé direito
como a criança fazia em seus brinquedos no desenho
e como hoje sei fazem parecido os legistas
e pode ser um defeito de nosso ritmo e direção de leitura
mas essa inscrição nada tinha a ver com posse
veja-se pela ordenação das cenas o que vinha primeiro
significava you’ve got a friend in me
como hoje o sabemos eu aprendia então
com meu primeiro amor dividindo
uns gibis e uns brinquedos comigo
um amor sem essa de pertencimentos
ow isso não é voar
isso é cair com estilo
isso
é um verdadeiro salto no tempo e presencio
com meus olhos de agora
um nosso primeiro beijo
o ruim de certas quedas é que o atrito seca a retina
Ricardo Escudeiro (Santo André-SP, 1984) é (ex) metalúrgico e (ex) professor. Autor dos livros de poemas rachar átomos e depois (Editora Patuá, 2016) e tempo espaço re tratos (Editora Patuá, 2014). Graduado em Letras na USP, desenvolve (ou não) projeto de mestrado com interesse em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa e Estudos de Gênero. Atua como editor na Fractal e assistente editorial na Patuá. Idealizou e montou, em parceira com o artista Leonardo Mathias, o work in progress “A mecânica do livro no espaço”. Possui publicações em mídias digitais e impressas: Escamandro, Germina, Jornal RelevO, Revista 7faces, Mallarmargens, Flanzine (Portugal), Enfermaria 6 (Portugal), Tlön (Portugal), LiteraturaBR, Diversos Afins, Ruído Manifesto, Poesia Avulsa, entre outras. Traduziu poemas da poeta afro americana Nayyirah Waheed, que foram publicados para download livre, pelo selo gueto editorial, da Revista Gueto, em 2017. Publicou mensalmente, entre 2014-2016, poemas na Revista Soletras, de Moçambique. Participou das antologias Os pastéis de nata ali não valem uma beata — antologia de 2017 (Enfermaria 6, 2018), 29 de abril: o verso da violência (Editora Patuá, 2015), Patuscada: antologia inaugural (Editora Patuá, 2016), Golpe: antologia-manifesto (Punks Pôneis, 2016) e Poemas para ler nas ocupa (Editora Estranhos Atratores, 2016).