pescaria, poema de Clarissa Macedo

Na fila de emprego
me deram uma vara de pescar.

Contrariando as profecias,
não conquistei o universo.

Não havia isca
não havia lago
não havia nada.

Os peixes sumiram (!)
sugados por quem já sabia pescar,
por aqueles que pescam de família em família
com o mar à mão
e dedos ensinados;

será que têm varinha mágica?
Será por isso que não pesco?

Há tempos desato o ofício da pescaria
e nunca dá certo.

Faz anos também
que o cheiro do peixe invade as paredes, o catre, os sonhos, a minha oração.

Eu continuo: persisto,
de anzol gasto,
no exercício de dar de comer
à mãe, às filhas, às irmãs;
mas todas minguam
na tarefa diáfana
de enganar a fome
de soletrar a morte.

Por isso, no auge daquele dia,
convencida de que pescar
sem isca, peixe ou lago
não enganaria a dor, a miséria,
amarrei a linha no tronco mais rijo;
e lá, de corpo pendurado,
olhei pra sempre o açude vazio da minha casa.

Clarissa Macedo (Salvador-BA), doutora em Literatura e Cultura, é escritora, revisora, professora e pesquisadora. Apresenta-se em eventos pelo Brasil e exterior. Integra coletâneas, revistas, blogs e sites. Publicou a plaquete O trem vermelho que partiu das cinzas (Pedra Palavra, 2014) e o livro Na pata do cavalo há sete abismos (Prêmio Nacional da Academia de Letras da Bahia, 2014; em 2ª edição pela Editora Penalux, 2017; e traduzido ao espanhol por Verónica Aranda, Editorial Polibea, 2017). Integrou, em 2018, o Circuito de Escritores pelo Arte da Palavra, promovido pelo SESC. Lançará este ano o livro O nome do mapa e outros mitos de um tempo chamado aflição (poesia). Site: http://www.clarissamacedo.com.br/