gueto entrevista Tito Leite

capa_cedro1. Para começar, conta um pouco sobre o livro Aurora de cedro.

Aurora de Cedro é um livro que nasce das minhas inquietações, dúvidas e sentimentos, de modo especial, do nó na garganta com determinadas situações, assim como a minha indignação com os problemas atuais desse fascismo crescente. No primeiro momento, trato do cenário político e dos abutres que roubam a nossa liberdade, com temáticas voltadas para o imigrante, o trabalho, os sistemas de vigilâncias e o consumismo. No decorrer do livro, procuro expressar os espantos da vida urbana em um mundo fugaz e muitas vezes desprovido de sentidos. Neste livro, afirmo a vida, o corpo, o canto e a festa: numa vida estilhaçada, queremos a vontade de eternidade no transitório, a vontade de amar em tempos de ódio, a vontade de se embriagar e viver loucamente em tempos do bestialmente correto. Em todos os poemas há uma busca pela resistência, a melhor palavra que expresse a grande recusa. Enfim, acredito que é um livro sobre a resistência, a vontade de manter-se na luz e abraçar a noite escura da alma em meio a tantos ventos contrários e salteadores da paz. Por isso, uma aurora de cedro, uma luz leve e uma sombra sóbria, uma aurora armada de cedro.

2. Como costuma ser seu processo de criação?

Começo a escrever num pequeno intervalo que encontro entre 06h05 e 06h45, quando gosto de reler o que escrevi na noite anterior e burilar os poemas. Durante o dia, sempre tento guardar um verso ou uma estrofe que fiz para esperar algo de bom pela manhã e, com isso, fechar o poema. Depois, refaço alguns poemas e procuro escrever outros, alguns surgem de carreirinha, há os que demoram muito tempo. Durante as minhas atividades no Mosteiro, sempre fico à espreita de algum verso ou palavra que abra o poema, lembrando-me de Vicente Huidobro: “Por que cantais a rosa, ó poetas!/ Fazei-a florescer no poema”. Para mim não é complicado começar um poema, difícil é deixar como quero. Quando escrevo, gosto de criar imagens, buscar o inusitado e juntar palavras que, normalmente, não fazem parte do mesmo campo semântico. Depois das imagens, tenho uma preocupação com a sonoridade e gosto muito de ler em voz alta.

3. E como foi o processo de criação com Aurora de cedro?

Aurora de Cedro, inicialmente, foi um desafio, porque eu queria escrever um livro mais sonoro e menos hermético, uma poesia para ser ouvida. Comecei a escrever em 2017. Os primeiros poemas eram imagéticos e de inclinação surrealista. Em muitos momentos eu me perdia entre algumas poluições de imagens. Por isso, sempre procurei ser cuidadoso com o trabalho de linguagem. Então coloco toda a minha paciência monástica, não tenho pressa para publicar, refaço várias vezes. Alguns poemas ficam guardados e depois de um bom tempo, volto a trabalhar e os deixo guardados novamente, até que um dia fiquem como desejei. Assim, vou jogando fora o que fica ruim. Tenho uma excelente relação com a minha lixeira. Sempre penso em não queimar cartucho e assim fui jogando alguns fora, lapidando outros e procurando colocar ritmo e som. Eu só bato o martelo quando sinto que está como eu quero.

4. Já tem um novo projeto em mente? Qual é? Ou costuma dar um intervalo na escrita entre um livro e outro?

Eu não consigo dar um intervalo. Sou um crítico do que escrevo e quando penso num projeto futuro, estudo onde acertei e errei no anterior. Na verdade, penso em escrever um livro de poesia inspirado na obra de Arthur Bispo do Rosário, mas não sei se vou levar adiante. Toda obra desse autor é uma máquina resistente contra o esquecimento e totalmente subversiva. É interessante que, dentro de um manicômio, onde eles eram tratados como lixo, o Bispo começou a tecer sua obra a partir do lixo da instituição, desconstruindo a farda e toda a simbologia de sua camisa de força.

5. O que você diria para quem está começando a escrever? Por que você começou a escrever?

Eu diria para quem está começando que poesia não se faz com bula de remédio ou com nota de rodapé, então tome cuidado para não colocar o leitor num quarto fechado que não entra ar. Por que comecei a escrever? Porque a minha cabeça sempre foi um espanto de dúvidas — nunca tive medo de colocar o meu mundo em questão e a poesia surgiu no momento em que precisava recriar minha vida como quem junta todos os cacos do velho vaso que quebrou. Além disso, sempre acreditei que o poeta é uma ponte entre o homem e Deus.

Sete poemas do livro Aurora de Cedro (Editora 7Letras, 2019), de Tito Leite, saíram na revista gueto no dia 13 de maio, você pode ler aqui: [link]

Resenha do livro na Revista CULT, por Alexandra Vieira de Almeida: [link]

Link para comprar o livro no site da editora: [link]

Tito Leite (Cícero Leilton) nasceu em Aurora/CE (1980). É autor do livro de poemas Digitais do Caos (Selo Edith, 2016). Poeta e monge beneditino, é mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Curador da revista Gueto. Aurora de Cedro (Editora 7Letras, 2019) é sua mais recente obra.