cinco poemas de Linaldo Guedes

carrossel de silêncio

meu filho fala sozinho

no meio das crianças
brinca com ninguém

finge-se de gato
imita o cachorro

au
au
au
autista

(e o mundo finge que ele não existe).

4 estações

as estações mudam:
o que era primavera de chuva
torna-se inverno quente

ou vício sem verso
sem poesia
na hora em que as coisas se benzem na ausência de orações

as estações mudam:
o que era outono florido
torna-se verão frio

ou verso sem o vício
da poesia
debulhando rituais adormecidos na hora do ângelus.

girassóis do mangue

foi quando passei da ponte do Sanhauá
que vi restos da orelha de Van Gogh
(sangrando o rio)

mangues de diálogos com zola
girassóis de caranguejos
meninos e as mãos. E a lama!

ladainha

um oásis se constrói com desertos

perto
(ou)
longe

um oásis se constrói em desertos

perto
(e)
longe

um oásis se constrói
(e os desertos?).

libação

difícil para um mortal entender uma deusa
decifrar seu olhar lento, em direção ao mistério

e o mortal ali: calado, inquieto, agoniado
como se fosse uma onda querendo rebentar o mar

mas sem uma quilha, é quase impossível navegar

ainda mais quando suas mãos agem

(e elas agem)
num estranho ritual de libação

enquanto o mortal zera a bússola
e descansa na terra firme daquele pulsar.

Linaldo Guedes é jornalista, poeta e editor. Como poeta, lançou os livros Os zumbis também escutam blues e outros poemas (1998), Intervalo Lírico (2005), Metáforas para um duelo no sertão (2012) e Tara e outros otimismos (2016). Lançou, ainda, Receitas de como se tornar um bom escritor (2015), Padre Rolim em quadrinhos (2018) e O Nirvana do Eu: Os diálogos entre a poesia de Augusto dos Anjos e a doutrina budista (2018), entre outros. Editor na Arribaçã Editora, é formado em Letras e mestre em Ciências da Religião, pela Universidade Federal da Paraíba.