cinco poemas inéditos do livro ‘Casa’ (Editora Urutau, no prelo), de Roberto Dutra, jr.

composição

quero seu poema pela manhã
ele é o café que aquece a fala
a luz que entra na sala
quando nos servimos
olhos inventando o dia
sensual alegria
de mãos se encontrando
na mesa.

quero seu poema como uma foto
rápido direto
com a realidade em foco
como se nada mais fosse correto
mostrando as partes
como o todo
e o todo um regalo
— essa parte de nós.

quero seu poema no rosto
suave carícia
a canela tempera uma parte
nossas bocas
anunciam outra arte.

— eu quero seu poema meu norte!

quero seu poema meu gole
amargo e forte
lavando a mágoa
e intenso
com uma leve pausa
tão lento
que agora
a língua

_____para.

do desejo

Desejo-clarão-de-raios
Desejo-cegueira-de-nomes
Desejo-morte-e-vida
Desejo inteiro
Levante de nuvens
ribombando insurreição
Desejo-fome
Verso e anunciação na carne
Sulcos d’água e sangue
Via líquida do instante

__________Apaga a vida
__________Acende a alma

samovar

entro em sua casa,
sentamos no chão.

chá nos basta.
dividir a água,
infusão amarga.

sorrindo, você relaxa.
em mim,
a mesma casa.

temos chá,
sorrir nos basta.

brisa

clara coisa
_____na rua

a brisa corria
_____sua língua

absurda
enchendo de vida
_____sabor
_____odor
_____amor do dia em plena avenida

invento o poema
_____e a vida

[molhada na tinta da brisa]

vale a pena

(eu não tenho um) PLANO

eu não tenho um plano para a vida além de viver.
não há metafísica nisso.
não espero vivas e ninguém me agradeceu flores ou favores.
devia vomitar, mas mantenho.
o que seria de mim se descobrissem?
carros parariam
leite azedo nas vacas
bug do milênio
mulheres correndo
homens trincando os dentes
ateariam fogo na cidade, ou um cataclismo varreria
a mediocridade dos hipócritas?
eu digo em voz alta,
não senhores eu não tenho um plano para a vida além de viver.
há que ser ousado bastante
para o preço da cesta básica
há que ser longe o suficiente
para o outro lado da rua
há que ser o necessário
para riscar o chão com meus ossos e minha carne tão bem
guardados para o depois.
o mais que me ensinaram refutei como quem repele o veneno.
se tenho que morrer, que seja por minhas próprias palavras.
nada mais vivi além disso.
não dei doces,
não fui ao altar,
não sentei numa pedra ao pôr do sol,
não xinguei o juiz,
não bebi água do mar,
não beijei o chão que me sustenta,
não tive filhos,
mas no olho do furacão
ouviram meu nome como pedra vívida
pés e mãos
pele sem planos
e vivo
como um homem
vivo

Roberto Dutra, jr. é carioca e insulano, nascido nos anos 1970. Usa máquina de escrever, revisa com lápis e mantém as ideias em blocos de nota. Teve seus poemas publicados nas antologias: Escriptonita (Editora Patuá, 2016) e Porremas (Mórula Editorial, 2018). É colunista regular do blog literário Zonadapalavra. Seu novo livro de poemas, Casa, está no prelo e sairá pela Editora Urutau, ainda este ano.