“You know me, I don´t… but who cares?”, de Ana Célia de Mendonça Goda

You know me, I don´t… but who cares? You, me, you, me, yummy. I don… Trombou com o carrinho ali depois da porta, apinhado e atrevido nas quatro rodas [nem deu pra ela contar os dois passos tão ensaiados]. Alguns livros caíram. Desastre total. Logo de cara [e olha que ela tinha preparado tudo pra se encontrar com ele na biblioteca: a música a roupa a entrada perfeita]. A sua vergonha ocupou toda a sala e ela se abaixou rápido para pegá-los, enrolando-se como um caracol de capuz. De joelhos olhou em volta da sala estranhamente mal iluminada, então percebeu que estava sozinha.

Who, who, who cares? Espiando os títulos [Ossos do Ofídio, Carne Quebrada, Crepúsculo], catou os livros com a mão direita e os enterrou no único vão da parte de baixo do carro. Com a esquerda puxou os fones enquanto se levantava.

Não soubesse da greve de ônibus, que havia impedido a vinda da maior parte dos funcionários e alunos [ela veio de bicicleta], teria se assustado com o silêncio escorrendo seus olhos por entre os livros das estantes. Sentiu-se até um pouco sépia, tomada por esses outros olhos que não os de cão de guarda por trás da escrivaninha da bibliotecária. De súbito se dando conta da lombada sólida de dicionário daquela mulher, sempre costurada em tranças na cadeira.

Balançando os braços e os cabelos [Será que ele vem mesmo?] recobrou o controle, recolocou os fones e escolheu o computador mais isolado, o último da fileira — ele chegaria a qualquer momento.

You know me, I don´t… but who cares? You, me, you, me, yummy. Conversou com a melhor amiga, que desconectou de repente porque a mãe entrou no quarto [era pra ela estar estudando].

Entrou num blog de beleza, pegou uns toques de maquiagem para o próximo encontro, aprendeu a amarrar um lenço de um jeito diferente [ela nunca tinha usado lenço]. Depois, como estava muito ansiosa porque causa do atraso dele, entrou no blog do seu comediante favorito para relaxar.

Funcionou. O vídeo do cara reclamando da operadora de telefonia era hilário [ela não sabia que o correto era “hilariante”]. Ali ela descontraiu; viu o rosto da mãe no lugar do dele, já tinha visto isso se passar com ela várias vezes, e riu pra caramba da cara dela.

Se ele tivesse tocado primeiro em seu pescoço, ela teria levado o maior susto. Mas ele puxou os cabelos enrolados dela para trás, como costumavam fazer nas longas sessões de beijo. Ela imediatamente soltou o teclado e colocou as mãos sobre as dele, reconhecendo o anel de caveira que tinha lhe dado de presente. Ele percorreu os dedos com leveza por todo o pescoço, o colo dela sardento de desejo e os olhos fechados apenas para sentir.

Bem devagar, ele desceu a mão esquerda por dentro do sutiã e foi nos suspiros daquela biblioteca com ares de câmara secreta que o seu mamilo perdeu a virgindade. De tanto prazer, quis ver o rosto do seu amor, mas antes mesmo que se virasse, estarreceu com o reflexo estampado na tela.

— Se você não vai ser minha, dele nem pensar — disse o irmão gêmeo, sufocando-a com as mãos duras de inveja desde a infância. — Ele sempre roubou tudo de mim.

Ana Célia de Mendonça Goda é graduada e licenciada em Letras pela PUC-SP, 1989. Pós-graduada em Administração e Organização de Eventos pelo SENAC-SP, 1994, e pós-graduada em Formação de Escritor — núcleo ficção pelo ISE Vera Cruz, 2017. Trabalhou para diversas organizações e casas editorias, entre elas o Círculo do Livro (como revisora e editora-assistente) e a Editora Melhoramentos (como editora e gerente editorial, de 1996 a 2013). Atualmente atua como freelancer, escrevendo, editando, ensinando etc.