leia
este livro
como se decifrasse
a cadência de um salmo
como se deixasse
o corpo embalar
nas batidas dos sinos
da mesquita branca
do interior da Turquia
entre
nessas páginas
como feixe de luz amarelo
que assenta na sala
e aquece a estante de livros
essa luz
que traz à tona
o ângulo sagrado de todas as coisas
todo leitor é para cada palavra
luz de fim de tarde
demore-se
como quem encara pela primeira vez
o mar
contrai os dedos dos pés
fincando-os lentamente na areia
com espanto e absoluto
caminhe
as palavras
no mesmo ritmo
do mergulhador
que volta à superfície com cautela
após extensíssima profundidade
entre
como se voltasse
e volte
chegue ao fim
como queda da primeira folha
os teus antepassados nos ombros
e deixe
germinar de novo
eis aqui o retorno
à memória da casa de teus avós
ao encontro de um amor antigo
ao abraço de algum dos teus mortos
(I. Martino — Março, 2019)
Isabella Martino é poeta e pesquisadora nascida em 1988 na cidade de São Paulo.