começos, poema de Isabella Martino

leia
este livro
como se decifrasse
a cadência de um salmo
como se deixasse
o corpo embalar
nas batidas dos sinos
da mesquita branca
do interior da Turquia

entre
nessas páginas
como feixe de luz amarelo
que assenta na sala
e aquece a estante de livros
essa luz
que traz à tona
o ângulo sagrado de todas as coisas

todo leitor é para cada palavra
luz de fim de tarde

demore-se
como quem encara pela primeira vez
o mar
contrai os dedos dos pés
fincando-os lentamente na areia
com espanto e absoluto

caminhe
as palavras
no mesmo ritmo
do mergulhador
que volta à superfície com cautela
após extensíssima profundidade

entre
como se voltasse

e volte

chegue ao fim
como queda da primeira folha
os teus antepassados nos ombros
e deixe
germinar de novo

eis aqui o retorno
à memória da casa de teus avós
ao encontro de um amor antigo
ao abraço de algum dos teus mortos

(I. Martino — Março, 2019)

Isabella Martino é poeta e pesquisadora nascida em 1988 na cidade de São Paulo.