Formei-me em jornalismo, sem falar inglês, espanhol ou francês; então, para não morrer de fome, aceitei o primeiro emprego que apareceu e foi justamente na Sociedade dos Gourmands da minha cidade natal.
Minha função era fotografar as festas e fazer um dossiê anual dos encontros. Pagavam bem (bem mal), e eu ainda bebia champagne de primeira e ganhava uns agradinhos das senhoras socialites do grupo. Perdoem-me os vocábulos em língua estrangeira, mas é cacoete, os membros gourmands pediam para eu usar estrangeirismos nos dossiês, para ficar mais chic.
O fato é que todos os homens eram chamados de chef e, em dias festivos, carregavam no pescoço uma medalha, o que os deixavam parecidos com vacas suíças com sininhos pendurados. Bom, eram chefs mas não cozinhavam coisa alguma. Para todos os encontros contratavam a mesma cozinheira, que fazia sempre os mesmos pratos, os quais, contudo, eram nomeados de forma diferente a cada reunião: um simples arroz com feijão virava “cassoulet” e uma simples galinhada virava coq au vin e assim por diante. Até o brigadeiro, com outra roupagem e uma gota de conhaque, ganhava os nomes mais estapafúrdios.
Mas minha função não era reflexiva, era apenas registrar momentos, descrever esses cardápios alucinados e revelar os talentos dos membros do grupo. Daí soltava a imaginação, dava título de mestrado para um, título de doutorado para outro. Aqueles que não passavam de jeito nenhum por mestres ou doutores ganhavam o título de conde, embaixador ou presidente.
O mais interessante desse grupo “heterogenicamente” homogêneo é que todos se achavam da elite e se consideravam ricos, ainda que muitos não tivessem onde cair mortos — estavam no grupo porque um dia foram ricos ou porque mantinham a pose… Sim, a pose era o mais importante, a pose e as convicções políticas e econômicas, que tinham que combinar com as da elite.
Num dos dossiês que escrevi, tive que fazer uma breve entrevista com cada um dos membros do grupo. Elaborei perguntas simples, do tipo: “Onde nasceu?”, “Desde quando pertence ao grupo?”
As respostas foram as mais estapafúrdias: sobre o local de nascimento, por exemplo, uns iam lá atrás até parar no tataravô, um alemão, suíço, italiano… e, por isso, concluíam que de fato tinham nascido na Europa e não numa cidade qualquer do interior do estado.
Outras perguntas ficavam sem resposta, mas isso não importava, pois eles nunca liam os textos, liam palavras soltas como “doutor”, “emérito”, “sumidade”, e olhavam as imagens e, se elas estivessem bonitas, ficavam satisfeitos.
Hoje continuo trabalhando na Sociedade dos Gourmands, mas ando tão cansada dessa gente que decidi criticá-la nos textos dos dossiês usando metáforas. Já estou no quinto dossiê e até agora ninguém percebeu (ou entendeu) o teor dos meus textos… Seguem olhando só as figurinhas e procurando adjetivos positivos que, sem juntar alhos com bugalhos, acreditam fazer deferência a eles.
Dirce Waltrick do Amarante é ensaísta, escritora e professora da UFSC.