I
o crânio oco
o crânio oco de luzia
meus dedos trêmulos
tocando sua não face
apenas o oco
o avesso do oco
era o que eu tocava
corriam minhas mãos
por 12 mil anos
minhas mãos tocavam
o não rosto, o oco,
o avesso, a origem
a primeira brasileira
II
bendegó rolou morro a baixo
descansou no leito seco
por uma centena de anos
ferro e níquel negados ao léu
por um imperador de outras terras
o segundo imperador
deu-lhe morada e reconhecimento
veio a mambembe república
minguou a moeda
desceram as chamas:
morto o palácio, morto o museu
vivo bendegó
um verdadeiro brasileiro
III
pela eternidade e mais um dia
dom pedro e sua estirpe
vagarão pelas cinzas do
palácio e sua antiga glória
pela eternidade e mais um dia
ameríndios, tupinambás e guaranis
trabalharão obstinados a reconstruir
ferramentas, tapeçaria e cerâmica
para honra e glória de seu povo
pela eternidade e mais um dia
luzia carregará minério, insetos e plantas
para o repouso na lagoa santa
guiada pela voz de sha-amun-en-su
e a saudade do deus oculto
pela eternidade e mais um dia
queimará a terra brasil
a palmeira e o sabiá
pela eternidade e mais um dia
Rafael Alexandre Mendes Silva, nascido em 1993 na cidade de São Paulo, é formado em Ciências Sociais e se mudou para Dublin, na Irlanda, em 2016. Em 2017 participou da coletânea 32kg: uma antologia Brasil-Irlanda, pela Editora Urutau. Em 2018 publicou seu primeiro livro: ensaio sobre o belo e o caos, também pela Editora Urutau. No momento trabalha numa coletânea em inglês e num novo livro em português.