cinco poemas de Bruno Brum

poesia_brumdo livro Tudo pronto para o fim do mundo (Editora 34, 2019)

a menor diferença

Jaqueline comeu salsicha pela primeira vez há trinta anos.
A gente dizia “Vai, Jaqueline, experimenta uma”.
Depois de muita insistência, resolveu provar.
Me lembro bem:
contorceu a face, numa expressão
de prazer, apertou os olhos e deu pulinhos,
emitindo um som bem fino.
Poucos meses depois, Jaqueline,
que era evangélica e não assistia tevê,
abandonou o noivo e sumiu do mapa.
A vizinhança ficou surpresa.
Admito que também fiquei,
mas logo me dei conta de que minha opinião
não fazia a menor diferença.
Hoje, tanto tempo depois,
sem notícias de seu paradeiro,
como salsichas pensando em Jaqueline.
É muito bom.

roupa do corpo

Para o céu a gente leva 2 biquínis, 3 vestidos, 1 calça, 1 blusa, 1 camisa de manga comprida, 1 par de sandálias, 1 tênis e 1 boné.

Para o inferno a gente leva 1 capa de chuva, 1 par de galochas, 1 par de luvas, 5 lenços, 2 calças jeans, 1 jaqueta de couro, 1 bússola e acessórios diversos.

Para andar de um lado para o outro, basta a roupa do corpo.

felicidade alheia

A felicidade alheia me fere.
A felicidade alheia me oprime.
A felicidade alheia me faz pensar em desistir.
Passo horas na internet, investigando até onde vai a brincadeira.
Passo horas sofrendo, lendo posts e mais posts.
Um sofrimento gostoso.
Um sofrimento justo.
Um sofrimento necessário.
Às vezes penso em jogar a toalha,
mas a felicidade alheia me redime,
a felicidade alheia me alimenta,
a felicidade alheia me salva.
Só ela pode me salvar.
Tenho raiva de tudo o que não seja a felicidade alheia.
Tenho muita raiva.
Você não faz ideia.

dizem que o mundo é um lugar engraçado

Eu vi Peter Pan despencar sobre a plateia
durante espetáculo no Teatro Marília.
As crianças, em choque, foram retiradas do local.

Eu vi Magali mijando atrás de uma pilastra
no Parque da Mônica. Por fim, sacudiu o pau,
colocou novamente a máscara e voltou ao trabalho.

Eu vi Beto Carrero e o cavalo Faísca derraparem
na fina camada de areia e saírem pela tangente
naquela tarde no Ginásio do Mineirinho.

Por muitos anos tentei me convencer
de que tudo isso não passou de invenção.
Ainda tenho minhas dúvidas.

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Bruno Brum nasceu em Belo Horizonte, em 1981. É poeta e designer gráfico. Publicou os livros Mínima ideia (2004), Cada (2007) e Mastodontes na sala de espera (2011, vencedor do Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura, na categoria Poesia, em 2010). Tem trabalhos publicados em periódicos e antologias no México, na Argentina, no Peru, no Paraguai, na Espanha e nos EUA. Em 2018, a Antônima Cia de Dança apresentou em São Paulo o espetáculo Isso ainda não nos leva a nada, inspirado no livro Mastodontes na sala de espera. Vive em São Paulo desde 2012.