do livro Um cisne na noite (Editora Jaguatirica, 2019)
Um estudante. Duro. Caminha de olhos no chão, à procura. Olha daqui, olha dali. Abaixa. Pega uma coisa, examina, não é nada. Joga fora.
Continua a andar.
Lá tem um brilho. Moeda vencida. Jogam fora as desvalorizadas que ficam brilhando até o cobre as colorir de verde azinhavre.
Essa o tapeia. Atira longe, ela retine no poste.
Dá de ombros. Sem um puto. É aniversário da namorada.
Caminha, ainda mais atento, mãos nos bolsos.
Desce na praia, tira os sapatos, meias, bota tudo sobre uma pedra, dobra as calças.
Vai até onde a arrebentação desliza. Lua cheia, altas marés.
Recolhida a água, fica um espaço grande.
Cutuca a areia dura com o galho trazido pelo vento.
Há outras pessoas garimpando. Ali na frente desencavaram um brinco, talvez valha alguma coisa.
O estudante se anima. Precisa de um troco para comprar presente para a namorada.
Cuidado com a onda, rapaz, vai molhar a calça, dá um pulo e escapa.
No que a lambida se recolhe, um amarelo aparece na superfície da areia molhada.
Ele cava, cava, cava e vai surgindo uma corrente grossa.
Será ouro? Ancorada, furando o chão, que isso? Tem um peso na ponta.
Tira areia, alisa, o fundo cede e se abre como um parto.
Ele vê a cabeça, o topo de uma cabeça cabeluda coroando.
O estudante se assusta.
A turma do garimpo se junta à sua volta, há gente que traz pás, e há os mais sofisticados, com uns aparelhos esquisitos de acusar metal.
Debruçam temerosos. Isso aí, o que é? Na fina lâmina de água que sobrou do mar recuado a cabeleira flutua.
O estudante resume: bandido muito louco que se afogou. Morto e mal enterrado pelo mar. Caveira. Só osso com cabelo igual peruca.
Agora esse colar sai, murmura para si mesmo. Pesado, ouro maciço, grandes argolas como eles gostam de exibir.
A onda vem, apanha e puxa a cabeça, quebra o pescoço.
Leva embora aquela bola cabeluda pro fundo do mar. O resto fica enterrado, uma ponta de osso pra fora da areia.
O estudante aperta o colar na mão.
Enfia a joia dentro do bolso, calça meia, sapato e se afasta devagar, ressabiado.
Os homens não tentam impedir, têm medo, traficante é um perigo, mesmo depois de morto.
O estudante conseguiu bom preço pela pescaria.
Não conta à namorada.
Só faz uma surpresa, leva-a para jantar no topo do Pão de Açúcar, de onde se tem a mais bela vista do mundo.
Depois vão, pela primeira vez, a um motel.
Regina Taccola é médica, psicanalista e escritora. Autora dos livros Uma tarde embalada pelo mar (Editora Frutos, 2016), Vida Louca (Chiado Editora, 2017) e Um cisne na noite (Editora Jaguatirica, 2019).