cinco poemas de Edimilson de Almeida Pereira

ilustração sem balafong

Viver agonia ao telefone
reduz um homem à medula.

Tira-lhe humor e fervor
como se filma uma blusa.

Não resta que lhe salve
postal de um cataclisma.

Uma página ao acaso em
que estivera uma moeda.

Um crime sem a vítima
para a polícia perfeito.

Um cinzeiro sobre tapete
e a vida que se fumara.

Uma névoa sob encomenda
a esse sumir desejado.

Um pai vindo de longe
com sua mala de pássaros.

Uma senhora sua imagem
de margaridas em decalque.

Um rádio-táxi na porta
ao tempo que se quisera.

Viver agonia ao telefone
mata um homem aos poucos.

Só resta que lhe salve
a mãe rezando por hábito.

Uma carta, enfim uma,
em meio ao jornal diário.

(de: Veludo azul / 2002)

onça

Tenho sete anos e a mão que me guarda vai desaparecer. Mas, agora, se arma catapulta contra o perigo. Ele vai saltar e suas garras farão uma cicatriz. Nós sob o arco-íris felino sentimos o esqueleto dentro da camisa. Colados um no outro, descobrimos algo que acaba e continua, não porque tenha volume e se devore pela cauda. A memória, quando salta, nos apanha pela cintura.

(de: Iteques / 2003)

história da arte

O que a tempestade nos privou de ler floresce por natureza. Nos dentes do ancinho, o osso — semente mineral cevada sem testemunha. Pouco instiga, branco rolando entre os seixos. Uma fissura, no entanto, emite o som de clava contra o braço. O osso revela a carta extraviada. Uma noite, ao fim da lavra, o levante. Ira e zagaia escrevendo rápido. A faca o bacamarte. Depois, um jongo, um minueto. Outra revolta, um alfabeto de revanches. Súbito, na manhã presente, tudo estanca ante o osso, metonímia de qual corpo?

(de: Iteques / 2003)

balada do morro do morin

Até a flor dispara.
Não o disparo
que leva tudo para
o caos.

Entre as orquídeas
e a página
do livro, a manhã
é vida,

mais do que nunca,
no morro do Morin.

De um lado
e de outro, em cima,
embaixo, sua
mão insone.

Um menino desata
ideias
enquanto, no jardim,
a flor da recusa

põe outro nome
no morro do Morin.

A flor que dispara
é outra,
de rara muda
humana:

entre as begônias
(não como relatam
as moreias,
mas, além)

orna
o morro do Morin.

(de: maginot,o / 2016)

cabeceira

O mundo se bate por uma variável
língua e não nos entendemos.
Aros na estiagem são o fonema
que faliu sem gerar comunicação.
Não houve tempo, nem vontade
para coser o pacto? Era preciso,
sob pena de se exaurir o homem.
Esperamos em vão o repasto,
tarde o centeio explodiu em pão.
Que fazer? A relva onde os cavalos
crisparam se apagou, arreios cospem
a lição de pedra. Como não ver
o golpe que vitimou a todos?
Testemunhamos o cós armado
do inimigo, a pira onde a liberdade
expirou, os prazos insondáveis.
Nós, tão confortados pela certeza
de que o passado era um bazar.
E que entre rubis, enxovais,
nenhuma traça fiava às avessas.
Idéias, no entanto, forçam as paredes.
Entre o que fizemos, e não,
algo se revela necessário ainda.

(de: Blanco, 2003)

Edimilson de Almeida Pereira é poeta, ensaísta e professor na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG).