três poemas da escritora indiana Shelly Bhoil

tradução de Camila Assad Quintanilha

relembrando

Nos buracos do tempo, as mãos se tornam mais curtas.
a memória é velha demais para se lembrar daquela primeira coisa.
as coisas são finas. mas o ar está denso com sombras. dos sonhos a vovó relembrava como ele olhava e olhava para ela. dos sonhos recordo como ela olhava e olhava para ele olhando para ela. Relembrando em eclipses a partir de onde estamos.

recalling

In the holes of time, hands get shorter.
memory is too old to remember that first something.
things are thin. but air is thick with shadows. from dreams
the grandma recalled how he looked and looked at her.
from dreams I recall how she looked and looked at him look
at her. Recalling is in eclipses from where we are.

em um canto

lá em um canto
ela se senta
e debaixo da cama
ela dorme

alimentando-se do próprio estômago
ela respira
pela chaminé da cozinha
flui para dentro e para fora
da soleira da porta

que ela nutre à sombra
da abóbora do quintal
e floresce
com a fragrância do solo

ela é a nossa história esquecida
de uma promessa não cumprida
vivendo unicamente para a matéria

in a corner

there in a corner
she sits
and under the bed
she sleeps

fueling from her own stomach,
she breathes
from the kitchen-chimney
flows in and out
from the doorsill

she nurtures in shade
of the backyard pumpkin
and flourishes
with fragrance of the soil

she is our forgotten story
of an unfulfilled promise
living within without

nada a temer
(para Amogh)

Não há nada a temer, meu pequeno
— tudo vai por aí
da água ao pó, da traição à confiança
você precisa apenas reconhecer o alfabético a
e distingui-lo do A
observando a pressão nos dedos que escrevem
Você deve traçar contornos no casulo onde você se encosta
e tudo virá para você

Não procure por nós quando não estivermos à volta
nós somos a lua tremendo
sobre o lago noturno
e durante o dia a sombra das marionetes
aparecendo desaparecendo além de nós

Nós não somos os únicos para você, mas somos um de você
— as árvores que anseiam pelas raízes
assim como anseiam pelo céu elevado
Você deve dormir, meu querido
sob o cobertor quente da sua pele
beijando o ar profundo e acorde com os braços
feito raios solares, levando o mundo em seu enlace caloroso

nothing to fear
(for Amogh)

there is nothing to fear, my little one —
everything comes around
from water to dust, betrayal to trust
you have to just recognise the alphabet a
and distinguish it from A
observing the pressure on the fingers that write
trace you must contours
on the bark you lean on to
and it will all come to you

do not look for us when we are not around
we are the moon quivering
upon the night’s lake
and in day the puppet shadows
appearing disappearing
beyond us

we are not the ones for you, but one of you
we are the trees that long for the roots
as much yearn the high sky
sleep you must, my child
under the warm blanket of your skin
kissing the air deep and wake up with arms
open like sunrays, taking the world in your warm embrace

Shelly Bhoil é uma escritora indiana, residente em São Paulo, Brasil. Seus próximos livros incluem um volume sobre o Narrativos do Tibete com a Lexington Books. Em 2016, ela recebeu uma menção honrosa no All India Poetry Competition e o terceiro prêmio no Rabindranath Tagore International Poetry; em 2011, foi ganhadora do primeiro prêmio no concurso internacional de escrita Tahoe Safe Alliance, assim como uma menção honrosa no concurso FLEFF Checkpoint Story 2011 na Universidade de Ithaca, EUA.

Camila Assad Quintanilha nasceu em 1988 em Presidente Prudente-SP. Escreve, traduz, desenha e pinta. É autora do livro de poemas Cumulonimbus (Quintal Edições, 2017) e de Desterro, projeto contemplado pelo Programa de Ação Cultural (ProAC) da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo/2018, a ser lançado no próximo ano.