três poemas de Daniel Arelli

schelling-salon
Para Age de Carvalho

Penetra
na ante-
cidade
(que leva
o nome
do mestre)
como
em uma
ante-
câmara;

nestas
largas
quadra-
turas
como em
alti-
planos
(de onde
se ergue
o pico);

— aqui, tu sabes:
calam-se os homens que jogam
ainda à espera do acaso
exato
à espera do lance
passado.

arrancar a manhã

“O esplendor da manhã não se abre com faca.”
(Manuel de Barros)

“Will there really be a morning?
Is there such a thing as day?”
(Emily Dickinson)

Se
ja-
mais
houver
manhã

Uma
única
singular-
íssima
manhã

Ela será ar-
rancada
à unha
a dente
à faca

Aurora
tecida
a grito
e à rinha
de galo

Crisálida
cuja seda
só se
abre
a rasgo

Ave
tão frágil
para rachar
sozinha
o ovo

outros nomes da natureza

O que é
fechado à mente
o fundo comum
a tudo
o todo
causa de si
princípio da própria
reprodução
o inteiramente outro
anteparo amorfo
do trabalho
e da forma
metabolismo
evolução
o que de mais íntimo
se rememora
em ti
contra ti
irrompe
pura exterioridade
o que ama
esconder-se

Daniel Arelli (Belo Horizonte, 1986) é professor, poeta e tradutor. Doutor em filosofia pela Universidade de Munique, atualmente é pesquisador de pós-doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais. Os poemas acima integram seu livro de estreia, Lição da Matéria, vencedor do Prêmio Paraná de Literatura de 2018.