quatro poemas de Roberta Tostes Daniel

s/título

A batalha começa
nas duas crateras
do meu rosto.

Quieta
é preciso
incidir

sobre o
hostil

com o impulso de
Tales
navegar

todas as coisas.
Órficas, Sáficas —

o tempo ancestral
é a semente de que preciso

para tanger este lado impossível
e presente

que não é retroceder
à anti-paisagem humana.

Achar um nome
pras coisas duras

ainda menores que dores.
Ao mundo diminuto

me resta esburacado
o rosto

o fosso da boca
incapaz de mapear

as avarias do poder.
Ao desértico de um corpo

que se sabe pórtico
e ouviu: você me abre

os braços e a gente
faz um país

entrincheirado
do lado de cá

do outro lado do mundo.

fenomenologia

Não há nada sendo dito dentro do costume.
O hábito é um império extinto
e sem arejamento.
O costume não tem irmãos
mas correias que prendem Anaxágoras
ou as mãos do homem que pensa
e pensa porque tem mãos
desfeitas para o hábito.

órion

Falo de um mundo decadente
concluído na emancipação do sangue
um mundo sem nome
um mundo sem mim
onde pouso, pairando
minha própria decadência
espécie fúlgida
desalinhada em dedos
veias abertas da entrega
possuída.

s/título

Encontro a nudez
com que vestir
este nada:
velame de horas
e êxtases
— teresas ávidas;
e pés que naufragam
este tempo insondável.

Roberta Tostes Daniel é poeta, autora de Uma casa perto de um vulcão (Ed. Patuá 2018) e Ainda ancora o infinito (Ed. Moinhos, 2019). Tem participações em coletâneas e revistas literárias, impressas e digitais. Blogue [link]