i.
era uma vez uma família
que foi morar embaixo do toldo azul
da comercial da 215 norte
uma vez rui
me chegou pedindo um prato de comida
eu comia sete corações de galinha
num prato branco me engasguei
vomitei quatro galinhas
cheias de pena de baba
e com casquinhas de feijão
se empoleiraram no rui
que se enroscou nos fios de couve
e levitou
ii.
na 105 sul o latido do cachorro lembrou
meu pai fazendo da mão uma conchinha e
assoprando
não era uivo silvo badalada brinde sirene
era eu agora embaixo d’água
e agora as superquadras submersas
acolhiam no playground um presépio
pequenos postes sinalizadores
amarelo sobre preto
pequenos cones bicolores
todas cores sobre preto
dançariam soltinhos
na gravidade subaquática
desprezando mijos de cachorros
desprezando beija-flores caramujos comemorações
e o cine brasília era um grande bolsão
de pouso submarino
pista de corrida de obstáculos pra peixes-palhaços
ponto de descanso de ouriços
cavalos-marinhos fazendo troça
e humanos brancos achando graça
em descobrir lavar polir verificar catalogar
nova espécie de coral
Stella Paterniani é antropóloga, professora, pesquisadora e traduz e escreve poesia. Tem se dedicado a pesquisar desafios a enquadramentos modernos com pessoas que lutam por um lugar para morar. Tem se dedicado também a traduzir poetas decoloniais. Já publicou na Revista Lavoura, traduções de Safia Elhillo na Pontes Outras e outras traduções no Ponto Virgulina. “plano-piloto v.2222” é inédito.