se eu me sinto latino-americana?
Se me roubam a prata como às uruguaias
Se me matam de fome como às peruanas
Se me secam de sede como às bolivianas
Se me arrancam a língua como às paraguaias
Se me tiram os olhos como às jamaicanas
Se me desaparecem as veias como às panamenhas
Se me queimam a pele como às dominicanas
Se me comem a carne como às brasileiras
Se me querem distante como às cubanas
Se me querem invisível como às guianas
Se me querem pequena como às equatorianas
Se me querem muda como às nicaraguenses
Se me querem surda como às salvadorenhas
Se me querem puta como às porto-riquenhas
Se me querem escrava como às mexicanas
Se me querem pobre como às haitianas
Se me querem morta como às guatemaltecas,
Sim, me sinto latino-americana
e inclusive depois de morta
seguirei sendo desta terra.
gravidade
onde caem as maçãs
jaz a teoria
quanto pesa um corpo
quando ainda é
semente?
a poesia viverá
ainda que ninguém me escute
e veja a escuridão
ainda que a água siga subindo
e me doa o corpo
ainda que a rejeição se misture ao esquecimento
e nasçam ratos
ainda que me peçam caos
e se abra um buraco no chão
ainda que eu morra na fuga
e alguém me chame
ainda que eu veja a luz
e a água siga baixando
ainda que me doa a alma
e o abraço se misture à memória
ainda que nasçam flores
e me peçam silêncio
ainda que se faça amor no chão
e eu morra na espera
A poesia viverá
Ellen Maria Vasconcellos veio de Santos e mora em SP. É autora dos livros Gravidade (2018) e Chacharitas e Gambuzino (2015, edição bilíngue), ambos publicados pela Ed. Patuá. Editora de livros didáticos de inglês e espanhol, é doutoranda em literatura hispano-americana contemporânea na Universidade de São Paulo, além de tradutora freelancer de literatura em inglês e espanhol. Tem traduções e poemas publicados em diversas antologias e revistas literárias nacionais e internacionais. Contato e portfolio: [link]