Poemas do livro Migalha (Editora 7Letras, 2019)
I
Passaram-se os dias
e só agora você pergunta
o que acabou
com a sua poesia
Você realmente quer saber
sonha que eu diga
do galo que matou a madrugada
do lobo que preferiu
a vovozinha? Mas você insiste
e como insiste. Sorte a sua
sorte a minha, que temos um
ao outro, temos a família
Continue assim
II
Aquela emoção
que se tem com os amigos…
As coisas são o que são
e não adianta refletir sobre elas
Sempre pensei
em comprar uma arma
Quer saber?
Comprei
Dizem que só funciona
nos filmes
…mas prefiro descobrir da minha maneira
III
Ironia? Sem dúvida, mas sem cicuta.
Cada um sonha com a revolução que merece
Revolução sem sair da poltrona.
Amor em não sair do lugar.
Um post em repúdio à ação da polícia.
Sonho (apenas sonho) com muitas formas de rebeldia.
duas coisas
É muito importante que você saiba
que precisa começar a quimio o mais rápido possível
e que para uma pizza pré-cozida
são dez minutos
no forno.
V
Hortênsia é a flor mais viva
maldade que age devagar
Luzeiro que corrói as entranhas
Saboreia uma
Os postes piscam
brindam das janelas as mulheres
políticos abrem as contas
para que vasculhem qualquer indício
e eles sabem que vão encontrar
Hortênsia é assim, réstia de luz talvez
Sei que tem esse efeito
vi naqueles que comeram
nos que lambuzaram
com a sua graça.
André Luiz Pinto é doutor em Filosofia e autor de Flor à margem (edição particular, 1999), Primeiro de Abril (Ed. Hedra, 2004), Ao léu (Ed. Bem-te-vi, 2007), Terno novo (Ed. 7letras, 2012), Nós, os dinossauros (Ed. Patuá, 2016), entre outros.