É aqui onde estou: agora.
Sincero como um bêbado que invade a missa, pede esmola e admite que vai usar a grana pra beber.
Um pivete que pega 10 contos com agiota pra pagar o almoço de sua namorada e… leva bolo.
Quando alguém desculpa nossos vacilos e atrasos, mas a gente
não consegue se perdoar.
É só aqui onde posso estar: agora. E eu tive o azedo no beijo como um carinho do ex marido de Virgínia Wolf. Era toda a companhia que uma nuvem pode ser para uma montanha. Eu tive no coração o que o Chile precisou atravessar para chegar à liberdade.
Estamos no mesmo barco, passarinho.
Use esta âncora como guarda-chuva
!esta âncora é teu guarda-chuva!
Ninguém foi te buscar na porta da escola
Ninguém te esperou na rodoviária, na saída dos bares nem dos hospitais
Ninguém nunca esperou por você
e isso te fez mais gente:
especialista em se virar.
Olhando do céu
alguém avista agora
estrelas no chão
quando
Palavra é pátria sem chão
aonde estamos:
agora
Apontar os sete erros deste jogo não me fez campeão (nem um segundo melhor)
goles sem copo já mataram mais sedes que águas tratadas
lençóis sem cama já foram mais acalanto que muitos hotéis por aí
A gente quer o infinito. E tudo é muito pouco — o melhor do mar é que, ele inteirinho, é estrada e, quando se nada, nosso corpo todo descobre o significado de caminhar entre a alma das nuvens.
Agradecer certas coisas, feitas tão de coração, soa até grosseria
Desculpa e obrigado: duas palavras que se anulam que nem aquelas cartas daquele jogo que você adora
então
— obrigada
— desculpa
Tudo bem a gente diz automaticamente sem dar conta que está tudo demolido — te espero no sono — a noite já vem tarde.
Teu jeito de gostar é canhoto demais, coração.
É que prometi não fazer poesia da nossa história
quando ela acabasse
e você garantiu que
quando o fim chegasse
— ele nunca atrasa —
não haveria do que reclamar
não transforme a gente em algo difícil demais
amor
é mais depois, viu?
é que toda história um dia pode acabar utensílio:
papel de parede, peso de papel, nome de bar, cachaça.
não pinte nossa história de uma cor só, viu?
que nenhuma pessoa suporta ver sua cria virar produto
artista detesta que transforme sua obra em algo repetido, funcional, reluzente, Romero Brito
resistência é um produto caro demais
a maioria só leva a embalagem
a gente gosta mesmo é do que não sabe, né?
único batismo que creio é a vaia
luz cortada, sabe?
[ainda que a gente nunca mais
Não seria o fim]
e ninguém nasce duas vezes
do mesmo modo
Depois do fim
aprendi com meu fígado, pelos, unhas e erros — a renascer — caminhei tempo demais entre armadilhas
me feri tanto a ponto de encontrar acalanto em arames
silêncio me ensinou mais que qualquer música
sem testemunha para o meu perdão
dancei no coração do mar morto
Antes
queria uma foto pra guardar de recordação
mas, ali estáticos, vi o flash imitar eternidades
E eu, que já morri tantas vezes só pra chamar sua atenção,
ao seu lado sei como sente-se a roupa em contato com o amaciante: a vida passa melhor
Antes da memória
deitava meus óculos sobre a mesa
você os calçava, mirava os três lados da janela
fazia modos de juiz de futebol com ambição de xerife num filme de Spike Lee:
— então é aqui que você se esconde, hein
— queria experimentar teus olhos, deixa
— depois devolvo, juro
— só um pouquinho, vai
E decorava capitais e poemas como se palavras pudessem comprar pão cacau show e tinta vermelho sangue para disfarçar o vazio dos lábios
Quero guardar teu perfume
igual no filme
como faz?
Ni Brisant nasceu no verão de 1985 em Acajutiba-BA. É autor do menor dicionário das galáxias e editor na Selin Trovoar. Escreve para ter no que acreditar.