lida
nesse dia mesmo
em que se é pura perda
em que se sofre saques e ludíbrio
_____catar os cacos
porque seguem tendo a mesma feição do todo
_____ajuntar migalha e estilhaço
e conjugar em modo subjuntivo
porque se quer depurar o que nos diz
o exórdio das rosas de inédito semanticismo
e não se pode demorar tempo
porque instaura-se um limo impeditivo
e mirram-se asas e expiram voos
e não se queira demorar tempo
porque precisa-se de quem cuspa firme à distância
de quem preste-se a ter os pés queimados pela brasa
de quem espane o logro dos discursos ferrugentos
e delate a rigidez das pétalas dissimuladas
de quem cutuque de quem esgaravate
porque nesse dia mesmo
não se pode mais tomar como acalanto
a ode espúria dos cínicos
e não se pode mais tingir de falso rubro
o fundamento do sangue
e não se pode permitir que façam gorar
a pulsão apta e evoluída
flórea e vigorosa
do verso
acontecido
buscava a outra claridade
aquilo do invisível que o gato vê
aquilo de esmero na confusão do jardim
buscava o outro ouro
aquilo do magma no exercício de fundir-se
aquilo do frescor num recitar juramento
buscava o outro final da saga
aquilo de soprar deixas no escuro
aquilo de fundar os dogmas juntos
buscava a outra simetria
aquilo de imortal na ode ao rosário
aquilo de avocar a rescisão das jaulas
além de tudo buscava
cavalos já saciados numa fortuna
de pasto_____de verão_____e de afago
além de tudo buscava
a mesma boca a mesma sede fecunda
no querer da mesma água
num só trago
incombinados
essa algazarra dentro do peito
essa noite longuíssima
o sinal que fecha
e eu tanta pressa
essa valsa em que se tropeça
eu tentando segurar as águas
querendo soltar as rédeas
regando o que quer que seja que fosse
e esse estar alheio a tudo que é de fora
esse dia cheio de tantas horas
o sinal que abre e eu a marcha lentíssima
cena editada esse iceberg no meio da estrada
tal o inesperado abraço no vagão do metrô
e vem taquicardia mas é retrô e só rima
fanfarra tal gambiarra no meu peito
essa prece indébita tal mal súbito
a alforria que foi parar no lixo
esse lapso esse colapso
a praxe do trocadilho
esse não faz isso
esse está feito
esse vício
saque
sim, eu roubei duas três mil imagens
e pensei em fazer a melhor ponte do continente
sempre fui ingênua
pensei em fazer a melhor estrada para o rebanho
sim, com imagens apropriadas
sempre fui de uma pretensão sinistra
eu espiei aqui e ali e sorrateiramente
surrupiei as imagens enquanto uns dormiam
enquanto se espreguiçavam
e pensei em fazer uma trilha nos impenetráveis
sempre fui lunática
e pensei em estabelecer uma senda
sempre fui esquizoide e enfermiça
e pensei em fazer uma sentença
reunindo inconciliáveis
e pensei em fazer brotar surpresas
e atmosferas únicas e limpas
mas sempre fui provisória e insubmissa
é o que sempre disseram de mim
já que afanei usurpei extraí
uma imagem e apenas
uma
talvez do altar
talvez do nicho onde as relíquias
ou talvez aquela uma frágil e guardada só
no gesto
sem reprise
Luci Collin, poeta e ficcionista curitibana, tem diversos livros publicados entre os quais A árvore todas (contos), Querer falar (poesia, finalista do Prêmio Oceanos 2015), Nossa Senhora D’Aqui (romance) e A Palavra Algo (Editora Iluminuras, 2016), premiado com a segunda colocação na 59ª Edição do Prêmio Jabuti, na categoria Poesia. Participou de antologias nacionais (como Geração 90 — os transgressores e 25 Mulheres que estão fazendo a literatura brasileira), e internacionais (nos EUA, Alemanha, França, Uruguai, Argentina, Peru e México). Também já traduziu Gertrude Stein, E. E. Cummings, Gary Snyder, Eiléan Ní Chuilleanáin, entre outros. Leciona Literaturas de Língua Inglesa na UFPR.