Saberíamos nós viver à luz tépida do dia
ou sob a sombra amena, felizes, na festa dos sentidos,
enquanto rumamos, a despeito do curso, ao oceano
onde tudo se nulifica?
Poderíamos nós, tal como somos, clarividentes do fim,
renunciar ao significado e transbordar como as flores efêmeras
das árvores em explosão de cor e forma —
textura aberta ao contato do mundo?
Desejaríamos, leves como o pó, ser carregados na língua do vento
e sepultar o insepulto livro babélico do universo,
que vigeria em uma plena abertura —
livre de portas e entradas?
Ou somos nós senão o desvio de Deus ante o silêncio
cansado do eterno? E, nesse desvio, teríamos de nos cumprir
como quem vê no labirinto o indício de uma face
que não se mostra?
Ou haverá um tempo em que os jogadores deitaremos
ao tabuleiro a nossa condição, exauridos de traçar, entre os pontos
aleatórios do caminho, um novo dédalo —
desígnio para um sentido de que apenas se falou?
Nessa última hipótese, Deus é devolvido ao tédio primeiro,
mas livra-se do pensamento dos homens.
Quanto a nós, afundamos no instante de pássaros e estações,
devolvidos a uma vida não abstrata, apreensível —
como uma língua
____________________que nada enunciasse
Laís Araruna de Aquino nasceu em 1988, no Recife, onde vive. É formada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e Procuradora do Município do Recife. Autora de Juventude (Ed. Reformatório, 2018), ganhador do Prêmio Maraã de Poesia 2017.