s/título
o canto enlouqueceu os quadris
ele se derramou para o húmus
fugindo do calcanhar paterno
sem memória do tempo peneirado
enquanto a mãe servia o caldo dos dias
como sentar ao lado do seu som marinho
e comer sopa com garfos?
galochas
não se importava
com o vestido engomado
foi bordado em França?
não queria o branco
não queria o laço
iria com galochas
pronta para as tempestades
andaria na incerteza do lodo
ainda que o vestido se desmanchasse
ainda que as tias gritassem seu nome
seguraria meninos e velocípedes
seus laços como garras
enraizada por galochas lilases
e pela aposta feita
sim! Também podia
sim! Era a teimosia
que a vestia
em sevilha ou lisboa
teus olhos oceanos
em fugidias línguas
cantos de baleias
para boi dormir
ana me alerta sobre navios atracados
ou altos-mares particulares
seu diário úmido
preso entre algas
náufraga de terra firme
aguada de samambaias
arrasto âncoras com falsa nobreza
invejo descobridores
trás-os-montes
apesar disso
o sol se esparramou
atrás dos montes
em algum momento
comovida pela urgência
sacudi minhas penas
e ameacei
um voo
esqueci: ninguém voa assim
impunemente
então guardei minhas asas
fechei as janelas
e liguei a TV
| são do livro Geografia particular (Editora Cas’a’screver, 2017): “Em Sevilha ou Lisboa” e “Trás-os-Montes”. |
Inês Campos nasceu em Belo Horizonte, onde vive ainda hoje. É poeta e advogada. Geografia particular (Editora Cas’a’screver, 2017) é seu primeiro livro. Atualmente trabalha na finalização de seu segundo livro de poemas.