A Balada do Cálamo, de Atiq Rahimi. Tradução e notas de Leila de Aguiar Costa (Editora Estação Liberdade, 2018)
Imaginem, em seguida, o mesmo jovem diante da grandeza do mausoléu do Taj Mahal, um monumento como prova de amor que o imperador mongol Shah Jahan fez construir em memória de sua esposa Arjumand Banou Begum, falecida em 1631. Ela repousa aqui, no coração desta obra-prima arquitetônica que combina as artes islâmica, persa, otomana, indiana e italiana. De uma brancura etérea, este mausoléu é decorado com vinte e duas passagens do Alcorão em árabe, caligrafadas com pedras negras, magistralmente incrustadas no mármore. Nenhuma imagem de ser humano, nenhuma escultura está presente. Abstração absoluta, exceto os motivos florais. Aqui, a divindade é sem rosto, sem corpo, sem sexo, sem desejo… A única mimese que pode ser encontrada neste edifício é o reflexo do jardim celeste, como ele é descrito pelo grande místico árabe Ibn Arabi, em seu livro As iluminações da Meca, e sugerido por aquele verseto do Alcorão que embeleza o pórtico da entrada do mausoléu como que para acolher devotamente os visitantes:
Ó alma apaziguada! Volta para teu
Senhor satisfeito e agregado! Entra para
meus servidores! Entra em meu paraíso!
Que desafio para construir sobre terra a obra celeste de Deus, um paraíso para os mortos!
Entre essas duas maravilhas do mundo, o jovem afegão vê diante de si abrirem-se duas vias distintas:
Uma convida a conhecer a divindade através da vida; a outra, através da morte.
Uma torna visível a Verdade; a outra a deixa invisível.
É então que ele compreende o sentido daquelas duas anedotas frequentemente ouvidas em seu país e na Índia:
Uma noite, todas as borboletas do mundo reuniram-se ao redor de uma vela para explicar umas às outras o segredo de sua atração pela chama da Verdade. Uma se levantou, voou, deu a volta em torno da vela e voltou para exclamar:
— Porque é luz!
Uma segunda fez o mesmo caminho e falou:
— Porque é quente!
Uma terceira:
— Porque dança, como nós!
Uma quarta:
— Porque é efêmero, como nós!
Uma quinta,
Uma sexta…
Enfim, cada uma teve sua própria interpretação. Com exceção da última, que se jogou na chama e morreu. Todas as outras então se disseram:
— Aí está a única que compreendeu por que, mas ela levou o segredo consigo.
Em seguida, esta outra, uma velha lenda indiana:
Houve um tempo em que todos os seres humanos eram deuses, todos seguravam a Verdade divina na mão. E dela abusavam. Brahma, o mestre dos deuses, não apreciou nem um pouco a arrogância deles. Decidiu então retirar-lhes a Verdade e escondê-la em um lugar que lhes seria inacessível. Mas onde?, interrogou Ele os deuses menores.
Um propôs:
— Enterremo-la!
Brahma refletiu, em seguida disse:
— Eles cavarão a terra e a encontrarão.
— Escondemo-la no fundo do oceano!
— Eles explorarão um dia as profundezas dos mares e acabarão por encontrá-la.
Desesperados, os deuses menores concluíram que não haveria parte alguma nesta terra para escondê-la. Brahma então disse:
— É preciso escondê-la o mais profundamente neles próprios, pois é o único lugar onde os homens nunca pensarão em procurá-la!
Meu jovem afegão preferiu buscar a Verdade no fundo de si mesmo e em sua vida terrestre, mais do que conhecê-la nos céus, após sua morte — uma busca incerta, quase inútil!
Entretanto, há algo de sublime que o fascina neste templo de Tânatos. Alguma coisa que nada tem a ver com a carga teológica do lugar. Ela forçosamente reside na coerência estética entre sua concepção, sua arquitetura, seu meio, sua história, sua matéria, suas cores, suas caligrafias… E tudo isso graças a uma perfeita simbiose de diferentes artes, oriundas de diferentes civilizações.
Do mesmo modo que os jogos e as jogadas geopolíticos as separam, a arte as reúne.
Ele deixa, pois, o mausoléu prometendo-se não mais pertencer a política alguma, a religião alguma. Ele gostaria de gritar aqueles versos que seu pai atribuía a Rumi:
Setenta e duas nações ouvirão de
nós seu segredo
Nós tocamos a ária de duzentas religiões
em uma única nota de nay
Foi essa a minha promessa de juventude. Mesmo assim, isso não me impediu de conhecer as religiões. Pelo contrário, ela abriu-me outra via para melhor apreendê-las. Com distância. E sem dogma.
Não buscava mais ali uma verdade, mas um segredo, aquele que engendrou toda divindade, toda crença, e que reside, desde a noite dos tempos, em nosso âmago.
Ele está aí,
no coração de nossos temores,
no limiar de nossas dúvidas,
no abismo de nossas falhas…
Ele aí está para me fazer dizer:
Sou budista, porque creio em minha fraqueza.
Sou cristão, porque confesso minha fraqueza.
Sou judeu, porque rio de minha fraqueza.
Sou muçulmano, porque combato minha fraqueza.
E sou ateu, se Deus é todo-poderoso.
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Atiq Rahimi (1962, Cabul, Afeganistão) iniciou sua carreira na França, após fugir de seu país durante a guerra civil na década de 1980. Formado em letras e cinema, participou da FLIP — Festa Literária Internacional de Paraty em 2009. É autor de Syngué Sabour, Maldito seja Dostoiévski, Terra e cinzas, As mil casas do sonho e do terror, entre outros.