Eu era todos: a menina do tabuleiro, o cientista e a sombra.
Nós todos éramos ultravidas — ninguém conhecia a direção do outro ou qual a matiz predileta.
Eu ouvia seus zumbidos enquanto travavam suas missões.
Eu reconhecia seus pensamentos, seus sistemas digestivos
[e os seus tutanos.
Eu era todos: varão e fêmea, domínio e servilismo, guerra e silêncio.
Nós todos compúnhamos uma orquestra de músicas mestiças e
marchávamos em fios ou nos estreitos paredões.
Eu era todos: guarda-chuva, estepe e carrinho de mão.
Éramos os substitutos, os do final da fila, os stand-by.
Sem mais.
Eu era todos: rins, tesoura e pedra.
Filtros, cortes e lapidações.
Editados pelos comerciais de um dia feliz.
Eu era todos: o carbono, o silício e a saliva
fluída da boca esfomeada ou gananciosa.
Eu era a fila para lugar nenhum e o orifício certeiro.
Eu era a multidão.
Lisa Alves (1981, MG) é escritora e mora atualmente no Rio de Janeiro. Faz parte do conselho editorial da revista de poesia e arte contemporânea Mallarmargens, é coeditora Liberoamerica (Espanha) e resenha livros para a revista Incomunidade (Portugal). Têm textos publicados em diversas revistas, jornais e páginas literárias no Brasil, Espanha, Portugal, Moçambique e Estados Unidos. Tem poemas publicados em onze antologias lançadas no Brasil, Argentina, Uruguai, Espanha e País Basco. Publicou em 2015 o livro de poesia Arame Farpado (Lug Editora, RJ), que será relançado este mês pela Editora Penalux.