o trem, poema de Henrique Rodrigues

Na linha que seguia até sumir
Depois da curva ao longo desses trilhos
Eu esperava um trem que não passava
(Ou que passasse e, por alumbramento,
Sequer tenha notado, ou mesmo ouvido).
Restou, silente, a espera pelo próximo.

E tendo me escondido na estação
Com a distração dos outros passageiros
(Acompanhando as suas despedidas…),
Nas noites me encolhi de resignado.
Até quem em certo estio dessa angústia
Na curva um som de trem se aproximava.

Parado, tinha as portas semi-abertas
(Não sei se por algumas incertezas
De receber um novo passageiro;
Mas refletia a minha hesitação
Em ter de abandonar local seguro
E me lançar além do que enxergava.)

Já longe, à profusão dessa paisagem
— Paisagem que até hoje me acompanha —
Mesclou-se algo que, então, reconhecia.
Seguro e vulnerável no vagão,
Estranhamente eu me identificava:
(Achando-me-perdi, mineiramente.)

Tão nova e vaga e longa essa viagem…
Nem mar nem rio ou céu longínquo e claro
Ou qualquer ânsia onírica que fosse
Se equiparava àquela transcendência,
Que, mesmo construindo uma distância,
Modificou a vida que eu levava.

Parti sem ter ciência do destino,
Ao qual me lancei cego e voluntário,
Sem pressa de parada ou desembarque.

Até que eu mesmo me tornei o trem,
Que vem se aproximando pelos trilhos,
Enquanto, na estação, você me espera.

Henrique Rodrigues nasceu no Rio de Janeiro, em 1975. É formado em Letras pela Uerj, com especialização em Jornalismo Cultural pela Uerj, mestre e doutor em Letras pela PUC-Rio. Trabalha na gestão de projetos literários no Sesc Nacional. É autor de 13 livros, entre poesia, infantis, juvenis e o romance O próximo da fila (Editora Record), publicado também na França.