três poemas de Matheus Arcaro

análise poética

Na visita ao analista,
a poesia reclamou dos amantes,
do arco-íris,
das íris coloridas,
dos céus estrelados,
dos lados luminosos,
dos postais, pontes e poentes.

À mostra com os dentes,
estava decidida a lançar um olhar
alijado de pedestais, flores e frases feitas.

Agora, quer rastejar pela lama,
trocar a dama pela puta. O amor pela secreção.
— Mais genitália e menos coração, senhores!

Pretende enfiar o sol no bueiro,
arrancar os testículos do absoluto
e esfregar o cu na cara do sossego.

Sim, ela precisa espedaçar a esperança.
E na dança, descalça, rodar pela praça
sem seguir receitas ou procurar clemências.

Vai, então, poesia!
Crava a língua na carne crua do presente.
Sobe a saia, goza com o sublime
e arremessa a eternidade na sarjeta.

animal peçonhento

Um animal peçonhento
fez um ninho
no meu peito.

Nasceu de uma mulher
e se alimenta
dos farelos da minha esperança.

O bicho mastiga minha alma
e cada mordida é como se
um punho se abrisse
dentro da garganta,
unhas compridas.

O animal inquilino
está dormindo agora.
De barriga cheia
ele me deixa escrever.

sou crente

Creio na incompletude,
no vão entre as verdades,
na fragilidade dos juramentos.

Creio que
lembrança e imaginação
trocam fluídos corporais.

Creio no sistema
solar que existe em cada abraço.
Em corpos nus
suados
em transfusão de potências.

Creio que os milagres
moram
na umidade
das virilhas.

Creio na lágrima do mendigo
e no sonho erótico da freira.
Na santidade da puta
e nas memórias de Brás Cubas.

Creio em deus como creio
no curupira que nasce
na boca de uma velha bordadeira.

Creio nas palavras sujas
como alvejantes do mundo.

| poemas do livro Um clitóris encostado na eternidade (no prelo). |

Matheus Arcaro é mestrando em filosofia contemporânea pela Unicamp. Pós-graduado em História da Arte. Graduado em Filosofia e também em Comunicação Social. É professor, artista plástico, palestrante e escritor, autor do romance O lado imóvel do tempo (Ed. Patuá, 2016) e dos livros de contos Violeta velha e outras flores (Ed. Patuá, 2014) e Amortalha (Ed. Patuá, 2017). Também colabora com artigos para vários portais e revistas.