na cena final
A bala cruza a avenida
alcança Belmondo pelas costas
cabeça arremessada pra trás
os brações pendentes cipós
a ponta do sapato dobrada
tenta deter
a queda.
Um desenho em giz
no asfalto
não traz pistas
de Bogart.
O nome das coisas não dura mais
que o gesto de batismo
do nome que as coisas gostariam de ter
afunilando sílabas
até cingir uma mudez
brusca.
ele
ele não viu
ele não viu nada
ele não viu nada que não fosse a bala
cortando curiosa
um assovio leve e ligeiro
derrubando um garoto preto
no chão
ele não viu nada além de pele morena
vazando a camisa branca
lisa passada sem
manchas
ele mastigou raivoso um furo na tarde
que sugou fundo e forte
e deixou no centro de tudo o verbo vibrando
“morreu”
ele não viu ninguém
presságio
Quando a manada soltava larga
pela pradaria
e o búfalo não era um búfalo mas
um pistão a mais
castigando firme e duro o maquinário ruge da terra
os astecas em travessia abaixavam o rosto
e liam o mundo
nas rachaduras paridas
pelo som.
O silêncio vertical e liso
intocado
deixaria seus adivinhos
em pânico.
Arthur Lungov é poeta e editor de poesia da Lavoura, revista de literatura contemporânea. É autor dos livros Luzes fortes, delírios urbanos (Ed. Patuá, 2016) e Corpos (inédito). Foi publicado em coletâneas e revistas literárias (Philos, Gueto, Mallarmargens, Ruído Manifesto, Raimundo, O Casulo, Poesia do poeta etc.). Foi curador convidado da Casa Philos na Flip 2018. Email para contato: albugelli@gmail.com