Só quem perdeu alguém muito querido sabe da terrível aflição que é não ver mais a pessoa de uma hora para outra, como se tivesse sido tragada por um bueiro gigantesco, como se tivesse sido ocultada por um eclipse sem fim ou desaparecido do ar sem a nossa anuência, sem o nosso conhecimento e sem a nossa permissão.
E queremos respostas, ah, se queremos, queremos que nos prestem contas do que foi mesmo que ocorreu, desejamos de qualquer maneira que nos expliquem o porquê dessa falta que nada é capaz de preencher. E agora?, perguntamos. Como fica? Mesmo sabendo que é impossível, almejamos que o cosmos nos devolva o ser que se foi. Ou, na pior das hipóteses, que nos “pague uma indenização”, faça algo por nós a fim de apaziguar o nosso coração, retire as folhas de urtiga e a sensação de incompletude, refaça a teia esgarçada que antes fora um sofisticado conjunto de fios bem tramados e arrematados.
A cada manhã, a mesma pergunta: onde está ele? O que foi feito do seu riso, das suas maneiras contidas e bem-educadas, dos seus gestos finos, da sua racionalidade, da sua estabilidade, do seu bom senso, da sua cortesia? Como pode uma pessoa tão importante em nossa vida desaparecer assim, sem deixar rastros, e se transformar em alguém para quem não é mais possível telefonar, a quem não se pode recorrer, com quem é vedado conversar? De que maneira classificar essa não estrada, essa impotência, essa interdição absoluta?
Como não se trata de uma doença, cuja cura é gradativa, não existem medicamentos para o luto. Caracteriza-se, entre outros sintomas, pela ida e vinda de algo semelhante a uma lava vulcânica, uma emoção horrível que é também uma sensação física, pois dói e aperta o peito, e o enlutado pensa que vai morrer. O que se deseja nesse momento é ter o morto de volta a qualquer preço, tocá-lo de novo, colocá-lo sob nossos olhos, como uma criança que quer obter algo, mesmo sabendo que é impossível. Depois a lava acaba passando, até o surgimento da próxima.
| do romance O indizível sentido do amor (Editora Patuá, 2017, p. 157-158). |
Rosângela Vieira Rocha nasceu em Inhapim, MG. Tem doze livros publicados, cinco para adultos e sete infantojuvenis. Recebeu vários prêmios literários, entre os quais se destacam o Prêmio Nacional de Literatura Editora UFMG-1988, com o romance Véspera de lua, e a Bolsa Brasília de Produção Literária 2001, com a novela Rio das pedras. Lançou o romance O indizível sentido do amor em 2017. Participou de várias coletâneas de contos, entre as quais Mais trinta mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira. Além de escritora, é jornalista, mestre em Comunicação Social, advogada e professora aposentada da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília — UnB. É colunista de revistas culturais e literárias digitais. Ministra oficinas de textos e de literatura, além de palestras.