1. Para começar, conta um pouco sobre o livro Exercícios de fixação.
É um livro de contos. São dezessete narrativas sobre personagens que, de alguma forma, se entrelaçam, de forma bastante sutil. O livro foi escrito sem nenhuma pretensão. Basicamente, um exercício de escrita que, num determinado ponto, cheguei a conclusão de que poderia integrar uma coleção de histórias. São contos que abordam temas do meu interesse: solidão, inadaptação, desejo reprimido, preconceito, segregação. Pela primeira vez, pude até flertar com o mundo do fantástico, inspirado em autores como Murilo Rubião e José J. Veiga. Depois do livro pronto, me surpreendi por perceber que os personagens são outsiders de suas próprias realidades. Todos buscam uma espécie de salvação, ou entender “os porquês”. O título do livro é o resultado disso: eu como autor, exercitando o olhar sobre a criação de uma narrativa; e os próprios personagens, que exercitam a busca da própria “salvação”.
2. Como costuma ser seu processo de criação?
Mesmo com a ideia de um conto em mente, o início é sempre às cegas. Escrevo e a ordem dos fatos vai se ajustando. Através do que chamam de “escrita automática”, sigo instintivamente criando situações, depois modifico, e o desenrolar da história vai se desenvolvendo durante todo o processo. Costumo escrever à noite, e revisar e reescrever durante o dia. No ato da escrita, nunca planejo com antecedência o início, meio e fim. Encaro a criação, tanto do conto e do poema, como uma colcha de retalhos. Aconteceu o mesmo com o meu livro “Salão Chinês”. Nessa colcha, insiro temas dos quais acho importantes, misturados com crises existenciais, descrições da banalidade dos dias, aforismos poéticos, e revolta contra determinadas imposições da sociedade.
3. E como foi o processo de criação com Exercícios de fixação? É muito diferente do processo com a poesia?
Foi diferente porque ao escrever poemas eu me sinto mais livre. Essa liberdade, muitas vezes, me permite uma abertura de determinadas “inconsistências” que contribuem para a totalidade do poema. Na poesia, eu exercito as minhas subjetividades, e essas subjetividades atingem o leitor, que toma para si suas próprias impressões. É como se, nem sempre, o poema precisasse soar certeiro. Uma vez escrevi um poema para um projeto do poeta Manoel Ricardo de Lima, e ele disse que havia gostado do poema, mas que não sabia como inseri-lo no projeto. Segundo ele, o poema “dizia, sem dizer tanto, ou nada”. Já com os contos eu preciso de um controle maior, controle esse que não me permite falar por falar. Na prosa, também exercito a minha subjetividade, mas que precisa ser controlada. Devo ter consciência do contorno aos fatos, da construção dos cenários, do tempo, dos personagens, e os porquês de suas questões.
4. Já tem um novo projeto em mente? Qual é? Ou costuma dar um intervalo na escrita entre um livro e outro?
Depois do livro lançado, costumo dar um tempo, pois o processo de escrita, publicação e divulgação do livro é bastante exaustivo. No momento, continuo escrevendo contos, que porventura podem fazer parte de um novo livro. Mas é tudo incerto, afinal a realidade da vida exige muito tempo e estômago. Por outro lado, escrever é o melhor terapeuta.
5. O que você diria para quem está começando a escrever? Por que você começou a escrever?
O meu maior conselho é que as aspirações de qualquer pessoa sejam genuínas. Não adianta seguir modinha ou buscar qualquer tipo de popularidade através da escrita. Fico muito entristecido quando vejo pessoas que sobrepõem o self-marketing diante da vontade de escrever. A gente tem que pensar numa coisa chamada legado. Só a arte salva, mas para isso é necessário muito trabalho e leitura. Aconselho também lutar contra a mediocridade, pois nem tudo que achamos importante é realmente importante. Comecei a escrever na adolescência, como válvula de escape. Alguns amigos próximos leram os meus textos e me incentivaram a tentar uma publicação. Desde então me dediquei a este ofício, e agradeço aos que me apoiam. Outra maravilha de escrever é o contato que mantenho com vários escritores, e os conselhos que recebo de bom grado, pois compreensão e ajuda mútua são grandes motivações, além do feedback dos leitores.
Antônio LaCarne é cearense, autor de Exercícios de fixação (AR Publisher, 2018), Todos os poemas são loucos (Gueto Editorial, 2017), Salão Chinês (Ed. Patuá, 2014) e Elefante-Rei: Poemas B.
Seu conto “Cair demais”, do livro Exercícios de fixação, saiu na revista gueto no dia 14 de agosto, você pode ler aqui: [link]