I.
a jarra em seu vítreo ventre
guarda a voz azul do voo
o sussurro de água da nuvem
a intangível sede
dos intermináveis corpos
guarda no seu oco ar
o eco das cicatrizes de antanho
e o desesperado
solfejo do passarinho
II.
azulejos brancos
cardumes de passos
anoitecidos
no canto da varanda
por onde formigas
brotam como fachos negros
e canibalizam o feto da chuva
na casca da cigarra morta
III.
carrinho de mão
vermelho
emborcado
parece um besouro
com cimento
incrustado
na casca de ferro
movendo
patas
de
areia
ao
lado
dos tijolos enfileirados
IV.
a cadeira
abraço de madeira
sem saber estala
não o peso de meu corpo
nem movimento brusco
a cadeira é um signo
infinito de leituras
em sua anatomia dura
estala
como grito
por dentro
como osso
explode um poema
no suor das juntas
V.
rubra árvore
no parque público
acena suas mãos sinuosas
aos navios de brisa
dispersa folhas como aves
na epiderme do ar
plácidas
ásperas
como cadáveres
em
tons
de
outono
VI.
as mãos cumprem partidas
não mais cruzam reencontros
não mais florescem afetos
se desgarram como se pensassem
transmutam indistintas na brisa
como um pássaro desesperado
Carlos Orfeu nasceu em Queimados. É devoto das artes, sobretudo, da literatura e da poesia. Publica em blogs pessoais, revistas e blogs literários. Em 2017 lançou o livro Invisíveis cotidianos (Editora Literacidade).