gueto entrevista Ana Elisa Ribeiro

02 album_capa1. Para começar, conta um pouco sobre o livro Álbum (poemas, Relicário Edições, 2018).

O Álbum é meu sétimo livro de poesia (tenho outros de outros gêneros, como crônica, conto e infantojuvenil). É o primeiro programadamente temático. É claro que em outros livros alguns temas se repetem, mas isso é contextual. No Álbum a ideia foi escrever poemas inspirados por fotografias, a maioria delas dos álbuns de retratos ou das caixas de fotos antigas da minha família. Tenho profundo carinho por alguns registros e eu quis devolver esse carinho da maneira que posso, que é pela palavra. Adoro fotografia, esse tipo de fotografia, e foi emocionante pensar em algumas sensações e em sentimentos que certas fotos me causam, me trazem, me propiciam. Com isso, escrevi a maioria dos poemas do livro. Uma parte disso foi enviada ao prêmio nacional Manaus, em 2015. O resultado positivo saiu em 2016. Isso me encorajou ainda mais e passei a completar o livro, a ideia. Escrevi poemas inspirados em fotos mais recentes, em fotos que não existem (ou fotografei com palavras), com misturas de várias fotos. Com o original mais composto, tempos depois, procurei a Maíra Nassif, editora da Relicário, que aprovou imediatamente a publicação. Eu acho que o livro tinha um aspecto que combinava com a edição da Relicário, que é sempre cuidadosa, delicada, lenta. É tal como um álbum de fotografia de família. E não estou me referindo a esses álbuns de estúdio. Refiro-me às fotos tiradas por pessoas não profissionais, com câmeras mais precárias, o que inclui contemplar hoje as fotos desfocadas, as mal anguladas, as fotos meio irrelevantes, mas que são tão poéticas, afinal. Isso é a ideia do Álbum, que ficou materializado com o projeto gráfico que a Relicário propôs a ele. A foto de capa é uma das fotos do álbum que herdarei da minha mãe, uma sensível componedora de álbuns e memórias da família. O poema da contracapa é inspirado na sensação que uma foto de verdade me traz.

2. Como costuma ser seu processo de criação?

Normalmente, escrevo diretamente no computador, no Word. As anotações são ali mesmo e o poema se faz em cima de qualquer início de ideia, de frase. Não uso cadernos, blocos, celular, nada. Só consigo escrever ou fluir melhor se estiver no meu escritório de parede azul, em casa. Fora disso, o mundo me ocupa demais. Quase não carrego nada, além da carteira e das chaves do carro. Não tenho rotina para escrever poemas. Eles resistem e persistem, diante de um dia a dia que me insta a escrever outras coisas, com mais urgência e necessidade. Sou professora, pesquisadora, linguista. Preciso produzir textos sempre, mas de outros gêneros. E adoro fazer isso também. A poesia é um outro momento, às vezes avassalador e que empurra as outras necessidades, as adia. Quando surge alguma ideia ou algum desejo de escrever poesia — e o tempo disso oscila —, eu obedeço, paro as demais atividades e escrevo num arquivo de Word chamado Arquivão.doc, que fica bem na minha área de trabalho do PC. Então esse arquivão vai crescendo. Mesmo os poemas do Álbum estão em uma sequência inicial que nasceu ali. Depois retiro, abro arquivos menores e vou dando trato de outras maneiras, com nova organização dos textos. Minhas escolhas dependem da vontade de publicar, da oportunidade, às vezes de alguma encomenda, do intervalo entre um livro e outro, da ideia que me faz juntar alguns poemas em um original. E faço questão de chamar tudo o que faço de trabalho. É trabalho e gera trabalho.

3. E como foi o processo de criação com Álbum? Você realizou pesquisas para escrever este livro?

Não realizei pesquisas, assim, de modo organizado, sistemático. Do ponto de vista teórico, não sou uma escritora muito preocupada. Nem sou dos estudos literários, aliás. Mas pesquisei, sim, as caixas de fotos que foram surgindo, recentemente, à medida que meus avós foram morrendo (em poucos anos, os quatro se foram). Também pedi à minha mãe os álbuns que ficam guardados com ela e fui rever, repensar, sentir. Isso foi a pesquisa. Lembrar das fotos que sempre me importaram muito, contemplar, rever fotos que eu precisava observar melhor, pensar nos efeitos delas sobre mim e sobre outros. Há uma foto que sempre olho e me traz um amargor imenso. Essa foto é muito importante. Há uma foto que me faz sentir uma saudade absurda. E assim fui compondo os poemas. Nem sempre eles conseguem dizer direito o que eu senti ou pensei. A ideia é que eles sejam a ponta de um iceberg. Nem sempre o texto é realizável ou o efeito é alcançável. Mas os poemas estão aí, como puderam ser. E o livro é meio uma caixa de fotos inexata, imprecisa.

4. Já tem um novo projeto em mente? Qual é? Ou costuma dar um intervalo na escrita entre um livro e outro?

Costumo dar um intervalo de publicação de um livro de poemas para outro. Eu havia lançado um livro pela Scriptum, o Xadrez, em 2015. Em 2016, lancei outro, pela RHJ, mas era outra vibe, uma espécie de encomenda para um público mais jovem. Então ele não entra muito na cota dos livros para adultos. Daí resolvi voltar em 2018 com este Álbum. Ele ficou marinando por quase três anos, portanto. Não tenho outro projeto de poesia agora. Ele virá, mais adiante. Ainda estou na ressaca de lançar este livro. Me dá sempre uma crise de repensar as coisas, os caminhos. Mas há outros livros para sair, mais ou menos colados. Há dois livros informativos infantis em uma coleção extraordinária da Editora da UFMG; há um livro técnico pela Parábola Editorial; e há um livro de história e memória sobre meu bairro, o Renascença, na coleção “BH, A cidade de cada um”, editada pelo José Eduardo Gonçalves e pela Sílvia Rubião. Esse está pronto, mas será lançado mais adiante. Sou escritora no meu modo de vida, no meu trabalho, na minha respiração. A poesia está entre essas coisas que faço e que preciso fazer, mas é apenas uma parte do que escrevo cotidianamente.

5. O que você diria para quem está começando a escrever? Por que você começou a escrever?

Comecei a escrever bem jovenzinha porque gostava, me sentia bem, admirava a escrita de outros que eu lia, achava extremamente prazeroso e aliviante fazer isso, depois descobri que há certa gestão de poder em escrever. Escrever bem, já na minha adolescência, fazia parte de como as pessoas me viam, de angariar alguma admiração, de como eu construía meu ethos, de como as pessoas me viam e por que razões elas me notavam. É claro que isso tem a ver com escola, com colegas, com meus fazeres estudantis e que só consigo analisar assim hoje. A poesia ainda ficava escondidinha no fundo da gaveta, em originais manuscritos ou datiloscritos. Escrever era um modo de existir. Não era moda, porque isso não era uma opção entre os colegas, não era fashion, não era fácil, não dava status exatamente. Escrever e ler são as coisas que me levaram às minhas escolhas profissionais, mais tarde, e mesmo às escolhas de vida. Fiz Letras (graduações, mestrado, doutorado, pós-docs), atuei nisso o tempo todo, pesquiso livros e edição, trabalho com isso há mais de duas décadas, pago minhas contas com isso, casei-me com jornalistas e escritores, enfim… é talvez a orientação mais séria da minha vida. Não é só gosto, é prático. Levei a sério desde sempre, apesar de algum desestímulo, ao longo da vida. As pessoas infelizes nunca me convenceram direito. Bom, sou convicta de que só dá para viver esta vida uma vez, então a poesia precisa fazer parte da minha. Acho que quem está começando precisa ter os pés no chão, a noção de que é trabalhoso, de que é preciso refazer(-se) sempre, de que há uma engrenagem em movimento, de que as coisas têm história, de que é preciso fazer uma gestão da trajetória. Precisam não embarcar no delírio de que serão best-seller amanhã, de que verão seus livros nas vitrines das livrarias. Para começar, é preciso ter paciência e evitar o ressentimento. Também é preciso ser generoso e tentar encontrar gente generosa pelo caminho, mas sem o espírito do oportunismo e do alpinismo. Isso queima o filme logo. É importante fazer, por na roda. E é importante ouvir, mas não deixar a frustração subir à cabeça. Ter gratidão também é bom. Gente ingrata é uma tristeza absurda. Gente que se inspira nas suas ideias e é incapaz de retomar seu nome, sua existência. É de uma tristeza incrível. E depois que alcançar qualquer degrau mais acima, seria importante lembrar dos pares e não mencionar apenas os badalados da cena. Por isso estou dizendo que há uma engrenagem rodando. Chegar com os olhos abertos é importante.

Ana Elisa Ribeiro, 1975, é mineira de Belo Horizonte. Autora de Poesinha (BH, Pandora, 1997), Perversa (SP, Ciência do Acidente, 2002); Fresta por onde olhar (BH, InterDitado, 2008), Anzol de pescar infernos (SP, Patuá, 2013), Xadrez (BH, Scriptum, 2015), Marmelada (BH, Coleção Leve um Livro, com Bruno Brum, 2015), Por um triz (BH, RHJ, 2016). Além desses livros de poesia, tem outros de crônica, conto e infantojuvenis publicados por diversas editoras brasileiras. Participou de antologias, revistas e jornais no Brasil, em Portugal, na França, no México, na Colômbia e nos Estados Unidos. É doutora em Linguística Aplicada pela UFMG, professora e pesquisadora de Edição no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais.

Quatro poemas do livro Álbum (Relicário Edições, 2018), de Ana Elisa Ribeiro, saíram na revista gueto no dia 5 de junho, você pode ler aqui: [link]