é precário, poema de Stephanie Borges

você precisa
contrabalançar o peso
não sei,
a vertigem é normal.
sem olhar,
você se acostuma
com quase quase tudo

1
ler contos de fada para as crianças
a realidade
versus
o lobo visto por dentro

eu tinha náusea,
mas aprendi a respirar
pelo diafragma
ninguém ensina
essas coisas úteis
joga o ar lá pra baixo
na barriga,
conta
1, 2, 3 expira

2
até uma idade
não temos linguagem
está quase tudo ali,
mas não temos vocabulário
frustação e desamparo
são palavras grandes
só chegam bem depois

É estranho.
É pra enganar a cabeça
não olha, senão é pior
aceita: é muito instável

3
ninguém vai querer
ser a pessoa
a te ensinar
a nomear a tua raiva

mas e o medo?
Inspira.
vai dar merda
conta.
não consigo
expira

1
boa parte dos sentimentos deles
nada tem a ver contigo
a menos que
você realmente os incomode

mas é preciso começar
e depois?
continua
até quando?
não olha, vai

2
não explicamos a eles nosso medos
vamos ficando bons nessa coisa
aparentar certezas

é sempre assim como se estivesse caindo, às vezes você puxa de volta, mas não muito rápido, nem com muita força, vai doer porque é preciso manter a atenção, um mínimo de clareza com o tempo pode ser cansativo, por isso a náusea, então respira

3
ler histórias em quadrinhos com as crianças
para que elas continuem sabendo ler
quando estiverem presas dentro
do que parece um adulto

respira, porque o tranco do corpo na ânsia é forte demais, e não, nada de movimentos involuntários, tudo bem, pode chorar um pouco, mas devagar, é preciso diminuir a velocidade, até se acostumar com a diferença

Stephanie Borges é leitora, jornalista e poeta. Carioca, 32 anos, é formada em Comunicação Social pela UFF. Trabalhou em agências de comunicação e editoras como Cosac Naify e Globo Livros. Colabora com o projeto Leia Mulheres. Atualmente é redatora e tradutora freelancer. Há um ano escreve uma newsletter sobre leitura e cultura pop, a cartinha de banalidades.