AS MIGRAÇÕES que realizam teus pássaros
Peixes nuvens
Cartas endereçadas a quem a ninguém
Despedidas a meio caminho
Despedaçadas
Sem tino ou destino
Cada palavra ave pronúncia
Nada daquilo que leva revela
* * *
NO CHÃO duro
O outono prematuro se apresenta
Os dias claros em turvos tornados
Nem a paisagem alenta
Os verdes avessos das folhas ausências
Que chegam às margens da cor
Sem escolha
Na lenta oferenda das tintas
Nos vãos que acenam escuros
De novo arcaicos
Entre os muros desse labirinto
De onde nunca saio
Porém ouço teus passos
Rastros no tempo
Canções esquecidas
Ventoventovento
* * *
AO CAIR DO DIA
barcos sobre a imprevisibilidade das ondas
horizonte ligeiramente curvo
à distância
teus ombros prestes a partir
* * *
COMO o arco da tarde encerra
E sobre a terra avança
Ao seu encontro
Como sem alarde desce
E aos olhos cerra o sol
À altura do horizonte
Como no seu pouso
Paira sobre qualquer onde
Quando por quê
* * *
ESTA MEMÓRIA que me olha
Memória de barcos sob e sobre o azul
Em movimento leve de animal que se espreguiça ao sol
E soa feito o vento que por eles passa e faz ranger suas madeiras
Razoavelmente pintadas
Barcos sem a consciência parca
De que são pensados
O vento que depois de tanto tempo sinto
Bate à fronte junto à imagem aquática
Daquele sonho vivo rente ao horizonte
Na calma da paisagem a avançar sutil
Olhos adentro
Passado vertido em presença
Que revolve a terra quase seca da saudade
* * *
ARAR AS TERRAS desregradas
arar o raro desde as margens
arar e sem cercar de arame
arar assim como quem ora
arar então como quem ama
assim também como
quem come
a carnadura da fome
e com demora ara
arar como quem ora
tem por sob as rodas
um caminho
ora tem por sobre o céu
sem artifícios
à frente os aros
arar como quem mora
enquanto ara
arar como quem pássaro
que de passagem encontra
o escuro e o claro
e corta e ultrapassa o gesto
paisagem por que esta fala
vara
arar quem sabe
aquilo que escapa
arar senão arar
a vida vária
| estes poemas estarão em seu quarto livro, Celacanto. |
Thiago Ponce de Moraes (Rio de Janeiro, 1986) é poeta, tradutor e professor. Publicou os livros de poemas Imp. (Caetés, 2006), De gestos lassos ou nenhuns (Lumme Editor, 2010) e Dobres sobre a luz (Lumme Editor, 2016, livro finalista do Prêmio Jabuti), bem como a plaquete bilíngue Glory Box (Carnaval Press, 2016), na tradução do poeta britânico Rob Packer, e a plaquete uma fotografia (Leonella, 2017). Na área de ensaios, publicou Remos e Versões (Multifoco, 2012) e Agora sim… talvez seja eu e mais alguém: específica experiência da leitura de Paul Celan e Ricardo Reis (NEA, 2014). Possui doutorado em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com estudo sobre a obra de Paul Celan. Participou, entre outros, do 31º Festival Internacional de Poesia de Tróis-Rivières (Canadá), do XX Encontro Internacional de Escritores (México) e do 55º Struga Poetry Evenings (Macedônia), o mais antigo encontro internacional de poetas.