Veja e toque, e se contente.
Nada mais lhe é permitido.
Pois tudo que você tem
só é seu no escasso sentido
em que é sua a sombra escassa
que esse seu corpo segrega,
que some assim que se apaga
a exata luz que ela nega.
***
Cada objeto está em seu lugar,
menos um.
Cada ser tem razão de ser ou estar,
menos um.
Todos têm uma causa e uma razão,
menos um.
Nenhum deles requer explicação,
menos um.
E saberão o quanto são pequenos?
(Mais é menos.)
***
Era o primeiro de muitos,
dos muitos que haviam de vir,
mas isso você não sabia.
Por ser o primeiro, tinha
que ser o único, o último
e ótimo, mesmo se péssimo.
(Estava bem longe o décimo.)
Remédio definitivo
pra dores apenas sonhadas,
era certo, bom e bonito.
Era tudo que você sabia
que sabia. E não era nada.
| do livro Nenhum mistério (Companhia das Letras), com lançamento previsto para agosto deste ano. |
Paulo Henriques Britto (Rio de Janeiro, 1951) é poeta, professor e tradutor. Estreou como poeta em 1982, com Liturgia da matéria, a que se seguiu Mínima Lírica (1989), Trovar Claro (1997), com o qual recebeu o Prêmio Alphonsus de Guimarães, da Fundação da Biblioteca Nacional, e Macau (2003), com o qual recebeu o prêmio Portugal Telecom de literatura brasileira. Em 2004 lançou o livro de contos Paraísos artificiais e em 2007 lançou Tarde, seguido de Formas do nada, em 2012. Já traduziu mais de cem livros, entre obras de William Faulkner, Elizabeth Bishop, Byron, John Updike, Thomas Pynchon e Charles Dickens.