fragmento de uma carta de Marina Tsvetáieva a Viatcheslav Ivánov, de 18/31 de maio de 1920*

18/31 мая 1920 г. Письмо к Вячеславу

Персписываю, чтобы потом не забыть, как любила.

[…]

Теперь о другом. Одно меня в Вас сегодня как-то растравительно тронуло: «много страдал — люблю жизнь — но как-то отрешенно»… Го-спо-ди! — Ведь это — живая я. Потому так всё и встречаю, что уже наперед рассталась. Издалека люблю, à vol d’oiseau люблю, хотя как будто в самой толще жизни.

Когда я с Вами сегодня шла, у меня было чувство, что иду не с Вами, а за Вами, даже не как ученик, а как собака, хорошая, преданная, веселая — и только одного не могущая: уйти.

Много собак за Вами ходило следом, дорогой В. И., но — клянусь богом! — такой веселой, удобной, знающей время и место собаки у Вас еще не было. — Купите собачий билет и везите во Флоренцию! — Но Вы уедете! уедете! уедете!

Здесь в Москве я спокойна, я всегда могу Вам написать (злоупотреблять не буду, хотя — 3-ья страница! — уже злоупотребляю!) — могу окликнуть Вас на каком-нибудь вечере, услышать Ваш старинно-коварно-ласковый голос, — да просто сознание, что по одним арбатским переулкам ходим, — я дом Ваш знаю, — значит Вы есть!

А во Флоренции я и мысленно не смогу ходить за Вами следом, я ни одной улицы не знаю, я во Флоренции не была! Сейчас глубокая ночь, Вы спите. — Кто это был в красном платьице? — Ваш сын? — Он Алин однолеток, о нем мне когда-то восторженно рассказывала мать Макса.

Шлю Вам привет — кладу Вам — по собачьи — голову в колени. — Не сердитесь! Я не буду Вам надоедать, я Вас слишком люблю.
МЦ.

Tradução de Paula Vaz de Almeida

Copio, para depois não esquecer como eu amava.

[…]

Agora, uma outra coisa. Hoje, de alguma maneira, algo no senhor abriu em mim uma ferida: “sofri muito — amo a vida — mas de um modo ensimesmado”. Deus! — Afinal — estou viva. Pois também são assim meus encontros, já me despedindo de antemão. Amo de longe, à vol d’oiseau**, amo, ainda que seja a parte mais densa da vida.

Quando estive, hoje, com o senhor, tive a sensação de que ia não consigo, mas atrás de si, até nem como uma aluna, mas como uma cachorrinha, boazinha, fiel, alegre — só que uma cachorrinha não sabe: partir.

Muitos cãezinhos andam em fila atrás do senhor, querido V. I., mas — juro por Deus! — uma assim tão alegre, amigável, que conhece seu tempo e seu lugar de cãozinho, o senhor nunca teve. Compre passagens para a cachorrinha e a leve a Florença!

Mas o senhor vai partir! ah, vai! se vai!

Estou tranquila aqui em Moscou, posso escrever-lhe sempre (não vou abusar!, embora — 3ª página! – já esteja abusando!) — posso gritar-lhe uma noite dessas, ouvir sua voz experiente-capciosa-carinhosa — e basta a consciência de que vamos caminhando pelas travessas da Arbat — eu conheço sua casa — significa que você existe!

Em Florença, nem em pensamento posso andar atrás do senhor, não conheço nenhuma rua, nunca fui a Florença! Agora é tarde da noite, o senhor está dormindo. — Quem era aquele de roupinha vermelha? Seu filho? Ália e ele são da mesma idade, um dia a mãe do Max me falou dele com entusiasmo.

Envio-lhe saudações — deitando a cabeça — como um cachorrinho — no seu colo. Não se zangue! Não vou aborrecê-lo, amo demais o senhor.

M.T.

*A tradução que aqui se publica foi feita a partir do original disponível em <http://www.tsvetayeva.com/prose/pr_8zap_11>. O fragmento corresponde ao trecho final de uma carta de Marina Tsvetáieva a Viatcheslav Ivánov, constante de seu caderno de notas dos anos de 1920-1921. Não há registros de que a carta tenha sido enviada.
**Em francês, no original: “em linha reta”.

Marina Tsvetáieva (1892-1941) | Poeta. Seu destino esteve imbricado nos principais acontecimentos políticos do século XX. Além das duas Grandes Guerras, foi testemunha da Revolução Russa. Emigrou em 1922 e viveu na França de 1925 a 1939, ano em que retorna à URSS; a filha, Ariadna Efron, retornara em 1935, e o marido, Serguei Efron, em 1937. Ex-iúnker tornado agente stalinista, Efron se envolve no assassinato de Ignace Reiss, comunista polonês que rompe com Ióssif Stálin em 1937 e previne os trotskistas da perseguição que se armava contra eles em âmbito internacional. A poeta ficara sozinha, em Paris, com o filho mais novo, Gueórgui, apelidado de Mur. Seja em virtude dos ataques da chamada comunidade Branca da emigração russa, do isolamento a que foi levada a poeta, das sucessivas investidas das polícias francesa e suíça, seja por pressões de agentes soviéticos ou por total falta de meios para garantir seu sustento e o do filho, podemos dizer que seu retorno, como de muitos outros russos, está relacionado ao contexto maior dos Processos de Moscou. Tsvetáieva estava envolta, talvez sem que soubesse, já que defendeu a inocência do marido até o fim, e ainda contra tudo e todos, em um plano que, apesar de o objetivo da eliminação de Reiss atingido, tinha sido fracassado, pois fora descoberto. Quando chega a Moscou, é imediatamente conduzida a uma datcha de propriedade do NKVD (sigla em russo para Comissariado do Povo para Assuntos Internos), órgão que vinha desempenhando desde 1934, entre outras funções, a de polícia política. A essa altura a poeta, certamente, já tomara consciência da gravidade da situação de sua família e dos demais moradores da datcha de Bolchevo, amigos que conheceram em Paris e que ingressaram no serviço secreto pelas mãos de Efron. Ficaram ali, em uma espécie de prisão domiciliar, por 5 meses, para serem, em seguida, aprisionados na Lubianka. A poeta foi poupada: estava, novamente, sozinha com o filho e, outra vez, passa a se virar como pode para sobreviver. Quando, em 1941, em meio à ofensiva nazista sobre Moscou, a cidade é evacuada, a poeta é levada, juntamente com outros escritores considerados de segunda categoria, à Elabuga, cidade russa da República Tártara, onde se suicida no último dia de agosto de 1941.

Viatcheslav Ivánov (1866-1949) | Poeta; crítico literário. Foi o principal teórico do Simbolismo russo. Homem erudito, manteve em seu apartamento, no início do século XX, um salão literário que ficou conhecido como “Torre” (Башня/Báchnia, em russo), por onde passou quase toda a Idade de Prata da poesia russa. Recebe autorização para trabalhar na Itália em 1921, onde permanecerá até sua morte.

Paula Vaz de Almeida | Tradutora; revisora. Pesquisa a prosa de Marina Tsvetáieva, dá aulas na Escola de Língua Russa para Bolchelindas/os e é doutora em cultura e literatura russas pela Universidade de São Paulo — USP.