Nada de mal acontece a uma mãe que espera.
Sentada na poltrona ao lado do telefone, na madrugada, aguardando notícias do filho hospitalizado, ela jamais terá um enfarte. Mães que esperam não são acometidas de desgraças comezinhas na vigília. Mães que esperam, esperam. Lúcidas, tensas, ansiosas, mas a salvo.
Noêmia mais uma vez esperava um telefonema súbito do médico plantonista para dizer que o filho não resistira aos ferimentos do acidente. Fazia mais de mês que ele estava internado, intubado, na UTI daquele hospital público, do outro lado da cidade.
Noêmia tinha problema de coração. Nunca tinha feito exames, nem sentido qualquer sintoma. Por isso ninguém sabia que havia um coágulo em sua circulação, avançando lentamente por sua carótida. Resultado de uma queda e do excesso de placas ateroscleróticas em suas artérias, o trombo um dia bloquearia sua corrente sanguínea e obrigaria Noêmia a correr para o hospital, do qual escaparia por pouco.
Mas quando isso acontecesse, o filho já teria partido. Pela primeira vez em paz, pela primeira vez lentamente, ao contrário de todos os dias, quando pegava a chave da moto, lhe dava um beijo rápido no rosto com o capacete já meio colocado, correndo, trabalho, entregas, pacotes, mercadorias, um ônibus, correndo, contramão. Seu filho. A moto. O cruzamento.
Noêmia passaria mais de dois meses atravessando a cidade, condução, trem, metrô, uma hora por dia ao lado dele, mais tempo do que jamais passara. Sempre correndo, desde pequeno, sempre louco por carros. E daquela vez em que sumiu, desapareceu? Tinha quantos anos? Sete, oito?
Um dia inteiro sem notícias. Ele tinha se escondido na boleia do caminhão do vizinho, sempre louco por velocidade. O homem ligou do meio da estrada dizendo que já estava longe quando descobriu o pequeno intruso dormindo tranquilo atrás de seu banco. Não tinha como voltar, tinha entrega para fazer, mas cuidaria do menino. Que se lembraria desses dias na estrada como os melhores de sua vida. Sempre quis ser caminhoneiro, o dinheiro só deu para a moto. Noêmia só reencontrou o filho três dias depois.
Agora que não havia mais o que esperar, que o filho estava enterrado, morto, o coágulo podia se deslocar. Podia se posicionar em uma artéria estreita, com paredes forradas de colesterol, e assim obstruí-la. Fosse no cérebro, teria uma embolia cerebral. Ali perto do coração, infarto.
A mãe de Noêmia, dona Aurora, 88 anos, agora esperava ao lado da filha, na ala cardíaca do hospital público do bairro. Cateterismo, cirurgia, UTI, semi-intensiva, enfermaria. Diariamente a velha senhora visitava a filha. Em seu estômago, um câncer furtivamente se desenvolvia. Mas ali, enquanto velava a filha operada, a reprodução celular maligna se deteve.
Nada de mal acontece a uma mãe que espera.
Lizandra Magon de Almeida é editora, jornalista, tradutora e poeta, nessa ordem, atividades que exerce desde 2001 na Pólen Editorial, que hoje também publica seus próprios títulos, a Pólen Livros. É diretora editorial do selo Ferina, em parceria com a escritora e cordelista Jarid Arraes.