maafa
há muito tempo disse
pro senhor arkaikea
q algo profundo mudou em nós
somos o q somos
dizia o senhor arkaikea
mas eu sentia na pele
nos olhos nariz boca orelhas
sentia em cada fio de cabelo
q algo profundo mudou em nós
quando entramos naquele barco
nem quando torramos
no sol conseguimos
mostrar pro senhor arkaikea
q algo profundo mudou em nós
eu sentia em cada osso
nosso nome foi esquecido
nossa língua se perdeu
quando entramos naquele barco
sentia em cada fio de cabelo
mas o senhor arkaikea
não dizia nada além de
somos o q somos
por isso chegando aqui
falamos nossa língua
como não tivesse se perdido
adoramos nossos deuses
como não tivessem nos deixado
dizíamos uns pros outros
somos o q somos
como dizia o senhor arkaikea
mas nada trazia harmonia
pra nenhum de nós
q vivemos como bestas
q dormimos como bestas
q comemos como bestas
nem morrendo como bestas
conseguimos mostrar
pro senhor arkaikea
q algo profundo mudou em nós
quando entramos naquele barco
sinto na pele nos olhos
nariz boca orelhas
sinto em cada osso
em cada fio de cabelo
mas continuamos vivendo
comendo dormindo falando
como se não tivéssemos
entrado naquele barco
como se não tivéssemos
esquecido nosso nome
como se não tivéssemos
perdido nossa língua
há muito tempo disse
pro senhor arkaikea
mas aprendemos a repetir
somos o q somos
o nome de todas as coisas
quando o céu foi separado da terra
quando a terra foi separada do céu
quando o nome de todas as coisas
foi determinado
parecia q tudo era harmonia
pairando sobre as águas
doces salgadas frias quentes
parecia q não existiam mistérios
quando o céu foi separado da terra
construímos nossas casas
construímos nossas cidades
todas as coisas cada vez maiores
plantamos nossos grãos
criamos nosso gado
fundimos nossos metais
parecia q tudo era harmonia
protegidos por nossos deuses
rios senhores protegidos
por todo lado protegidos
de todas as coisas
engordamos mais q o gado
plantamos mais do q comemos
dormimos mais do q precisamos
bebemos mais do q podemos
esquecemos q
quando o céu foi separado da terra
quando o nome de todas as coisas
foi determinado
tantos nomes se perderam
sentamos nas praças
ouvimos poemas no anoitecer
olhando as águas do grande rio
parecia q tudo era harmonia
olhando pralém do horizonte
pra onde nunca fomos
de onde ninguém nunca voltou
esquecemos q
quando a terra foi separada do céu
quando o nome de todas as coisas
foi determinado
recebemos o nome de servo
pra servir os senhores
q nos deram nosso nome
mas engordamos mais q o gado
plantamos nossos grãos
construímos nossas cidades
fundimos nossos metais
bebemos mais do q podemos
sentados nas praças
olhando pralém do horizonte
olhando as águas do grande rio
avistamos as imensas bestas
vindas de onde ninguém nunca voltou
parecia q não existiam mistérios
mas nossos senhores
q nos deram nosso nome
nos fizeram lembrar q
quando o nome de todas as coisas
foi determinado
recebemos o nome de servo
o garum de pompeia
é processo demorado
q diz de nós aquilo q somos
mesmo quando o chão treme
mesmo quando o chão afunda
encontrar atum fresco
é a primeira parte
tudo se aproveita
vísceras couro espinhas
em grandes vasos virgens
de cerâmica q só nós fazemos
juntamos ao atum fresco
água do mar azeite ou vinho
tampamos os vasos levamos
pras encostas do vesúvio
q a cada dia tremem mais
q a cada dia são mais quentes
por meses os vasos
fermentam sob o sol
q só brilha nessas terras
q só nasce em nosso céu
é processo demorado
q diz de nós aquilo q somos
depois de meses fermentando
esprememos tudo
quebramos os vasos
q serviram seu destino
em pequenos vasos virgens
de cerâmica q só nós fazemos
juntamos o primeiro líquido
devidamente salgado
mesmo quando o chão treme
mesmo quando o chão afunda
juntamos o primeiro líquido
devidamente apimentado
é processo demorado
o melhor molho do império
dizem os q provam
com pão e alho
o melhor molho do império
dizem os q provam
com carne de borrego
com muita salsa e vinho
mesmo quando o chão treme
mesmo quando o chão afunda
porq só com o atum dessa bahia
pode preparar nosso molho
porq só nossa cerâmica
pode abrigar nosso molho
devidamente salgado
devidamente apimentado
é processo demorado
q diz de nós aquilo q somos
porq só o calor e o tremor
cada vez maiores das encostas
do vesúvio podem preparar
o melhor molho do império
| o lançamento será na segunda metade do mês de maio | no espaço cultural La Rosa Mossoró, em Maceió, no bairro do Jaraguá. |
Geovanne Otavio Ursulino vive em Maceió. Historiador. Editor da revista Alagunas. Publica no blog Amorfo Poema. Publicou o livro de poemas como num inferno pra marinheiros (Maceió: Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2017) e, agora, os gigantes atravessam o eufrates (São Paulo: Editora Patuá, 2018). Contato: ursulino@alagunas.com.