cinco poemas de Leandro Rodrigues

Poemas do livro Faz sol mas eu grito (Editora Patuá, 2018).

meninas de maio

Na praça central,
À véspera do dia santo,
As meninas de maio se despem
de seus longos cabelos ao vento

Filhos desaparecidos são emaranhados laços de pontas disformes,
Rascunhos de cartas atiradas ao mar
sombras siamesas em quarentenas vivas
— velhas avós mudas que resguardam gritos em gavetas

Dos bordados finos,
Cordões umbilicais guardados que tracejam o choro dos arcanjos
O grito da besta-fera que tudo desfia, tudo
jogos da lua, chão quadriculado de precipícios
penhascos de sangue movediços qual setas de contramão
fardas estendidas no varal ao sol para secar as lágrimas.

memória

Tantas vozes mortas ainda escorrem
Nessa umidade fria da parede

Uns passos intactos / calados no chão
Destroçados qual vermes inaudíveis

Poças dormentes que rangem
engrenagens tísicas de porcelana

bromélias que murcham
com sangue nas cavidades
&
brotam nesses rios fétidos
Usinas de fetos e espasmos

Gritos / lamentos das galerias
cavando domados silêncios

das horas turvas de um relógio de sol
calcinado pela escuridão.

greve

Depois da greve
Viraremos árvores

Simétricas árvores

a
b
s
o
l
u
t
a
s

nosso grito será o sol estampado nas folhas
nossas veias amplas raízes entrelaçadas
nos mortos
nossa mais rara espécie de orquídea
brotará do medo, a seiva da liberdade.

vitória-régia

A lua refletida no lago
Uma índia vem e com um dedo
____________________a conquista

Muito antes dos americanos.

moldura

entre tantos silêncios empilhados
guardo o grito feito de pedra
encadernado em vistosas linhas

molduras disformes dos dias mais
torpes
em que ninguém se reconhece,

sombras frias nas galerias
fétidas de esgoto

moscas pousadas na tarde
mesas bem postas
cama bem arrumada

ratos roem as noites
nos desvãos dos trilhos

nos beijos dos casais

no sorriso medido de boas intenções

Leandro Rodrigues nasceu em Osasco, São Paulo. É Poeta e Professor de Literatura. Lançou em 2016 o seu primeiro livro, Aprendizagem Cinza (Editora Patuá). Em 2017 participou do jornal de literatura O Casulo e do livro Hiperconexões 3 (Editora Patuá). Mantém seus escritos no blog [nauseaconcreta]. Publicou poemas em vários sites e revistas de literatura do Brasil, Portugal, Espanha e Estados Unidos.