do corpo, de Wanda Monteiro

há quem diga que do corpo e sua concretude e solidez
mas o que há liquidez

mais de mil esferas
mais de mil partículas
mais de mil núcleos
fluindo num rio andante
na disputa
na defensa
pelas mesmas artérias
pelos mesmos veios
numa permanente luta
de vida e morte

há uma força
que lhes une e desune
que lhes funde e aparta

o rio esse corpo
que mergulha em si
denso
pesado demais para chover
e precipitar-se no ar

o corpo esse rio de sal
e sangue
lento de correr
que mal sossega
que mal respira
ilhado de vento e vazio

há quem diga que o corpo
tem a agudeza de escutar
de cheirar
de tocar
de mirar

mas o que há é plena miragem
consciência centrífuga
ilusão de ser
que reflui no verbo

o corpo é esse rio
cuja nascente
e foz
disputam a força
o espaço
o tempo
e as profundidades
no centro de um coração

Wanda Monteiro é escritora e poeta, uma amazônida nascida às margens do Rio Amazonas, no coração da Amazônia, em Alenquer, Estado do Pará. Reside há mais de 25 anos no Rio de Janeiro, mas só se sente em casa quando pisa no leito de seu rio. Seu livro mais recente é Aquatempo — Sementes líricas (Editora Literacidade, 2016).