quatro poemas de Noélia Ribeiro

envelhecendo

Os buracos no tecido do
toldo de papel de padaria
são os olhos
da tartaruga hipnotizados
pela coreografia do tempo

As janelas estão abertas

A tartaruga com fome de
pão e fé gesticula minimamente

O tempo, porém, não olha para trás
Segue estoico hirto indiferente

nada em ti me surpreende

Nada em ti me surpreende
Conheço teu contorno
teu sotaque
teu afeto

Sei do calor
de tuas mãos
conchas onde guardo
meu segredo

Deitada à sombra
de teu corpo
sou nascituro cego
incompleto

guernica

Há um quê de desumano em meu abraço
Não percebe?
Possuo destroços em lugar de órgãos
infortúnios de um tempo sem pecado
o traço de Picasso na face
e nas extremidades pequenas avarias

Creia:
houvesse algo entre nós, desmoronaria

entrementes

No deserto de Wenders, caminha a
urgência de temperança. Os
dentes afiados do
desamparo perscrutam a
dúvida e seu abismo.

O tempo dança passos
impostores. Entrementes a
intimidade das línguas cala a
crueza das dores.

Noélia Ribeiro é pernambucana e reside em Brasília, lançou Expectativa (independente, 1982), Atarantada (Verbis, 2009), Escalafobética (Vidráguas, 2015) e Espevitada (Penalux, 2017). Graduada em Letras pela Universidade de Brasília, tem poemas publicados em antologias, jornais e nas revistas eletrônicas Germina, Raimundo, Mallarmagens e InComunidade. Em 2017, recebeu da Secult-DF o Prêmio FAC 2017 — Igualdade de Gêneros na Cultura e foi poeta homenageada no 31º Salão Nacional de Poesia Psiu Poético, em Montes Claros (MG). Possui no Facebook a página Atarantada.