dois poemas de Leila Guenther

corpo fechado

Vivo cada vez mais longe dos homens
e mais perto dos cães
cada vez mais longe dos olhos
e perto do coração
cada vez mais longe do barulho
e mais perto do som
cada vez mais longe da lâmpada
e perto do fogo
cada vez mais longe do asfalto
e perto do mato

Vivo cada vez mais longe do grito
e perto da palavra
mais longe do telefone
e perto dos violões
cada vez mais longe das telas
e perto das portas
cada vez mais longe das redes
e perto dos peixes

Vivo cada vez mais longe da vírgula
e perto do ponto final

Cada vez mais vivo

três anos esta noite

para Marcelo Donoso

Era um provérbio
Foi um redondilho
E desde então será sempre verdade

Ao algoz da Noite
Agradeço cada dia que nasceu depois da morte

Há três anos ou trinta que estes mesmos dias
São sempre outros
Porque você inventa novos idiomas
Com os quais escrevo nossa história
Que é — sobretudo —
Uma História dos que Voltaram a Cantar

(Jamais nos calaremos novamente)

Nesta hagiografia a música celebra os “males que vêm pra bem”, o certo
[das linhas tortas
E as palavras alcançam todos os centímetros do templo maior.

Leila Guenther é autora de Viagem a um deserto interior, selecionado no Programa Petrobras Cultural e finalista do Prêmio Jabuti; O voo noturno das galinhas, traduzido para o espanhol e editado em Portugal; e Este lado para cima. Participou das antologias Quartas histórias: contos baseados em narrativas de Guimarães Rosa; Capitu mandou flores: contos para Machado de Assis nos cem anos de sua morte; 50 versões de amor e prazer: 50 contos eróticos por 13 autoras brasileiras; Cusco, espejo de cosmografías: antología de relato iberoamericano; Outras ruminações: 75 poetas e a poesia de Donizete Galvão; 70 Poemas para Adorno; Grenzenlos; 69: Antología de microrrelatos eróticos; Blasfêmeas: mulheres de palavras; Transpassar: poética do movimento pelas ruas de São Paulo. Realizou edições comentadas de obras da literatura brasileira e portuguesa. Para os palcos de Robert Wilson, adaptou a peça A dama do mar (edição bilíngue), de Susan Sontag, baseada em Ibsen, e traduziu A velha, adaptação de Darryl Pinckney para uma novela de Daniil Kharms.