decibéis, de Bianca Garcia

eis que eu e minha retina
a captar imagens de relance, em demasia
contempla, analisa, com pesar da diária cafeína

viver a urbe em dia: ópio é cansaço, torna anestesia
indiferente se é ao caos proletário, suga pupila
epiglote sufoca o imaginário
mente a quem se apropria, mas cria

buzina! decibéis! desaforo à epifania
sente! percebe! pensa e…
perde.
não, volta!
interrompe.
a voz contida na caixa reflexiva
abafa, acode, exausta
pneu canta, fragmentário amarga.

aqui não há pacata-cidade
há, pois, olhos cansados, embriagados
toyotismo diário

não se sente a palmeira donde canta o sabiá
as árvores daqui foram tombadas
pelas ruínas dos apartamentos de cá
não vomitamos mais palavras
palatalizamo-as
não contemplamos mais estrelas
essas foram sequestradas:
truncamento do imaginário
amargor resultante das nuvens industriais
aqui só se sente
nada mais

palavras não ditas
antes fossem mencionadas
ou silenciosas, escritas
esmagadas pelo rolo compressor de ideias
tal resíduo: semente que não germina.
acúmulo estridente
desde ladeira-garganta abaixo
ou vira nó na faringe
ouvira tambor no estribo
de repente: digere, contenta, finge
alívio?

pensamentos sequestrados
procrastinados, adiados
cordas
roucas
loucas
poucas
gritam:
FRÁGIL

Bianca Garcia é diretora editorial da Macabéa Edições, estudante de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e escritora nas horas em que a palavra permite transcender as linhas do papel. Acredita que o útero é o punho erguido das mulheres na escrita.