doar-se
se for
para oferecer
meio pedaço
do coração
sem
pôr a alma
nas palavras
prefiro, então,
não doar o meu ser;
pois não há, no que digo,
a entrega das vísceras
fico sozinho,
mas, ao menos,
não descuido
do outro
amar é doar-se
e, quando em migalhas,
não serve nem sequer para
alimentar a fome dos pombos
amor fati
Para Camila
nesse
mundo caduco
repleto de posses
e tão poucos
amores
amo-te
sem atá-las;
assim, tuas mãos
irão, naturalmente,
percorrer outros
corpos
fixar-se
na necessidade
da solidão
ou retornar, serenas,
ao nosso cais
aberto
diante
de gaiolas afetivas
mais vale a resistência
de um pássaro
liberto
conjugação
fizeram uma cesárea
na barriga da epifania
em busca da ideia genial
e, logo em seguida,
colocaram uma arma
no peito límpido do amor
impor força brusca
naquilo que se deseja
não gera senão
um poema morto
vazio de respiração
tempo não é dinheiro
nem a vida um fast food
Liberdade se conjuga
sempre no plural
há quem diga que termina
quando a do outro começa,
mas ela apenas floresce
quando somos, todos,
L I V R E S
as lesmas e a civilização
adeus ao mundo dos homens
que fabrica servidão, atentados
quero carros, televisões
e automóveis
calados
ao menos hoje,
não falo em miséria,
classes sociais, guerra
quero o bosque de ar puro
os pés cravados na terra
o vento gélido
a realidade oculta
ter nos poros a apoteose
o enigma do geóide que flutua
com seus pássaros coloridos
e besouros de casca dura
o verde que sinto
é maior do que o cinza:
a poesia se encontra
no sexo na lesmas
entrelaçadas
metafísica
um beijo não é só a troca
dos lábios que se encontram
— faz nascer outro mundo;
tampouco o abraço,
não é um contato
qualquer
até mesmo o ateu
um sujeito racionalista
constata a alquimia
dos corpos
e permanece quieto,
pois vê que há, no âmago,
lá, no sopro da inquietude:
os fios
esquecidos pelos olhos
no novelo oculto dos deuses
estranhamento
confrontar o ego
desvela fissuras
no teu cristal
freud chamou
inconsciente
jung disse
alma
e percebes
que, no fundo,
és desconhecido
dentro de ti mesmo
um estrangeiro
em teu frágil
corpo
Gabriel Cortilho (1992- ) é poeta e professor de História em Araraquara, no interior de São Paulo. Possui como referência central a poesia de Fernando Pessoa. Tem poemas divulgados pelas revistas O Poema do Poeta; Mallarmargens e Escrita 47 (Guatá- Cultura em Movimento). Organiza seus escritos em livretos, sendo eles: Atemporal/Cronológico (2014), Transitório (2015), A Transa dos Besouros Verdes (2016), O Poema e a Cachaça (2017), Javali Radioativo (2017), A Carne e o Licor de Moscas (2017), Os Fios Esquecidos Pelos Olhos (2017), O Poema Entre as Ruínas (2018).